Portal O Debate
Grupo WhatsApp

Febre amarela: problema de saúde pública e ambiental

Febre amarela: problema de saúde pública e ambiental

21/04/2017 Sérgio Lucena

A saúde humana está intimamente relacionada à saúde do meio ambiente.

No final do século XVII, o médico português João Ferreira da Rocha foi enviado a Pernambuco para tratar os doentes da febre amarela e publicou, em 1694, o primeiro tratado sobre a doença. Ele descreveu com precisão os sintomas e sugeriu uma série de tratamentos, alguns duvidosos, é claro, diante da medicina atual.

O que já se sabe desde aquela época é que a doença causa febre, calafrios, náuseas, vômito, dores de cabeça e musculares em quem é picado pelo mosquito transmissor e contaminado pelo vírus. A versão mais severa pode levar à hemorragia e morte e, apesar de não existir cura, nós humanos contamos com a prevenção por meio de vacina.

No entanto, os demais primatas, nossos parentes mais próximos na natureza, não têm a mesma sorte nem a mesma resistência. Até o final de março deste ano, o Ministério da Saúde confirmou 187 casos de óbitos em humanos causados pela doença.

No mesmo período, 4.240 mortes de macacos foram confirmadas e associadas à febre amarela no Brasil, sendo que só no Espírito Santo já foram cerca de 1.200. A situação também é grave em Minas Gerais e há registros de mortes de macacos confirmadas para a febre em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Goiás, Distrito Federal, Pará e Roraima.

Esse surto já pode ser considerado um desastre ambiental grave por se tratar de uma das maiores mortandades de primatas da história da Mata Atlântica, de acordo com a Sociedade Brasileira de Primatologia.

Devido ao grande número de casos, alguns estados pararam de notificar as baixas em primatas há algum tempo, mas o surto não dá sinais de enfraquecimento. Muito pelo contrário. É possível que, em breve, grande parte da porção de Mata Atlântica, que abrange a costa do Brasil – do Rio Grande do Sul até Pernambuco e Paraíba – seja afetada pelo vírus que provoca uma taxa de até 90% de mortes em algumas espécies de primatas.

Apesar de ocorrer ciclicamente no Brasil, geralmente de dezembro a maio, a febre amarela avançou de forma inesperada nesse surto atual. Sua chegada ao litoral do Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro é algo considerado inédito e que pode acarretar perdas irreparáveis. Os bugios (Alouatta guariba) têm morrido em massa, mas outras espécies também têm sido muito afetadas, como o sauá (Callicebus personatus).

Os moradores do Espírito Santo, que residem em áreas próximas às florestas, relatam um triste silêncio. Não há mais o rugido característico do bugio que indicava sua presença. Os saguis do gênero Callithrix e macacos-pregos (Supajus sp) também foram afetados. O perigo ronda ainda o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), maior primata das Américas e criticamente em perigo de extinção.

O novo grande temor é com a chegada da febre amarela na região de Casimiro de Abreu, no Rio de Janeiro. O local é o último refúgio do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), que sofreu com o desmatamento e tráfico de animais, e agora vai ter que enfrentar um novo inimigo. Apesar de o vírus e a doença serem os mesmos, há dois tipos de ciclos, o silvestre e o urbano.

A diferença está no transmissor: o ciclo silvestre é transmitido por dois tipos de mosquito (dos gêneros Haemagogus e Sabethes) restritos à área de florestas. O ciclo urbano é causado pelo velho conhecido Aedes aegypti, transmissor também de viroses como a dengue, chikungunya e zika. O ciclo urbano pode se estabelecer caso uma pessoa não imunizada se contamine numa área de floresta e depois seja picada na cidade pelo Aedes aegypti e este vier a se infectar.

Os macacos, evidentemente, são apenas vítimas da doença e não os seus transmissores. O desenvolvimento da doença é facilitado pela redução das áreas silvestres e consequente avanço das cidades. Quando adicionamos outros fatores, como mudança climática, por exemplo, a equação se torna ainda mais complicada.

Desde a década de 1980, a Organização Mundial da Saúde registra aumento no número de casos de febre amarela e acredita-se que o crescimento da população urbana, com maior mobilidade global e as alterações no clima do planeta sejam possíveis explicações para o fato.

Da mesma forma que a doença que aflige homens e macacos é a mesma, as causas e suas consequências também não podem ser dissociadas. O alerta e o controle do surto atual foram extremamente tardios e antiquados para todos os envolvidos. Houve descaso com relação às primeiras mortes de macacos reportadas em Montes Claros (MG) e somente quando centenas deles estavam morrendo no leste de Minas Gerais é que decidiu-se tomar alguma atitude.

O Espírito Santo se alarmou com a situação do estado vizinho e adiantou a vacinação em humanos. No Rio de Janeiro houve um bloqueio vacinal nas fronteiras do estado, o que simplesmente não funciona. Além de não impedir o surto silvestre, já que macacos não participam da vacinação, também não resolve o surto urbano, pois pessoas vão e vêm de diferentes áreas a todo momento.

É impossível lidar com situações inéditas como essa, utilizando métodos que já eram duvidosos há quase um século. É preciso ver o surto com um olhar ecológico, além da preocupação com a saúde humana. O controle da febre amarela inclui, necessariamente, a preservação dos habitats naturais e suas espécies nativas. Desflorestar e matar macacos não impede a circulação do vírus da doença e pode até piorar a situação.

A redução drástica da população de macacos causa um grande desequilíbrio natural, pois eles participam de vários processos ecológicos, além de agirem como sentinelas da doença, ao demonstrar mais facilmente a presença do vírus da febre amarela na região.

O vírus da febre amarela com certeza evoluirá mata adentro, dizimando macacos de diferentes espécies, sem respeitar fronteiras ou delimitações feitas pelo homem. No que tange à saúde humana, podemos contar com a vacina, mas não existe cura e as medidas de controle dessa virose não têm surtido o efeito necessário, o que nos remete ao século XVII, quando a doença foi registrada no Brasil.

Protegemos humanos, mas não podemos esquecer que não somos os únicos a habitar o planeta e que não sobrevivemos sozinhos. A saúde humana está intimamente relacionada à saúde do meio ambiente. Com o avanço do outono e queda das temperaturas é provável que o surto de febre amarela se enfraqueça, mas pode ser que ressurja no fim do ano.

De qualquer forma, o futuro dos nossos primatas, principalmente das espécies da Mata Atlântica, é incerto. Ainda não temos a dimensão exata do impacto que estão sofrendo agora, tampouco sabemos as consequências dessa virose nas populações naturais em longo prazo.

* Sérgio Lucena é biólogo, professor de Zoologia e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.



Melhor ser disciplinado que motivado

A falta de produtividade, problema tão comum entre as equipes e os líderes, está ligada ao esforço sem alavanca, sem um impulsionador.

Autor: Paulo de Vilhena


O choque Executivo-Legislativo

O Congresso Nacional – reunião conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados – vai analisar nesta quarta-feira (24/04), a partir das 19 horas, os 32 vetos pendentes a leis que deputados e senadores criaram ou modificaram e não receberam a concordância do Presidente da República.

Autor: Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves


A medicina é para os humanos

O grande médico e pintor português Abel Salazar, que viveu entre 1889 e 1946, dizia que “o médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe”.

Autor: Felipe Villaça


Dia de Ogum, sincretismo religioso e a resistência da umbanda no Brasil

Os Orixás ocupam um lugar central na espiritualidade umbandista, reverenciados e cultuados de forma a manter viva a conexão com as divindades africanas, além de representar forças da natureza e aspectos da vida humana.

Autor: Marlidia Teixeira e Alan Kardec Marques


O legado de Mário Covas ainda vive entre nós

Neste domingo, dia 21 de abril, Mário Covas completaria 94 anos de vida. Relembrar sua vida é resgatar uma parte importante de nossa história.

Autor: Wilson Pedroso


Elon Musk, liberdade de expressão x TSE e STF

Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, renomado constitucionalista e decano do Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar sobre os 10 anos da operação Lava-jato, consignou “Acho que a Lava Jato fez um enorme mal às instituições.”

Autor: Bady Curi Neto


Senado e STF colidem sobre descriminalizar a maconha

O Senado aprovou, em dois turnos, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Drogas, que classifica como crime a compra, guarda ou porte de entorpecentes.

Autor: Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves


As histórias que o padre conta

“Até a metade vai parecer que irá dar errado, mas depois dá certo!”

Autor: Dimas Künsch


Vulnerabilidades masculinas: o tema proibido

É desafiador para mim escrever sobre este tema, já que sou um gênero feminino ainda que com certa energia masculina dentro de mim, aliás como todos os seres, que tem ambas as energias dentro de si, feminina e masculina.

Autor: Viviane Gago


Entre o barril de petróleo e o de pólvora

O mundo começou a semana preocupado com o Oriente Médio.

Autor: Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves


Nome comum pode ser bom, mas às vezes complica!

O nosso nome, primeira terceirização que fazemos na vida, é uma escolha que pode trazer as consequências mais diversas.

Autor: Antônio Marcos Ferreira


A Cilada do Narcisista

Nelson Rodrigues descrevia em suas crônicas as pessoas enamoradas de si mesmas com o termo: “Ele está em furioso enamoramento de si mesmo”.

Autor: Marco Antonio Spinelli