Portal O Debate
Grupo WhatsApp

Crescimento da Judicialização na Saúde: qual a solução?

Crescimento da Judicialização na Saúde: qual a solução?

30/03/2019 Sandra Franco

A saúde no Brasil sofre os efeitos de uma má gestão política, econômica e administrativa.

Já são décadas de crescimento das ações e processos judiciais em que os pacientes acionam o Poder Judiciário para ter o direito e o acesso aos serviços de saúde no Brasil.

Os tribunais passaram a ser uma extensão dos balcões de atendimento dos hospitais, clínicas e operadoras de saúde, uma porta de acesso quase sem barreiras. O custo da Judicialização para o país é estimado em R$ 10 bilhões por ano, quase 10% do valor total dos recursos disponibilizados para a área.

Recente relatório encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Poder Judiciário apontou um crescimento de aproximadamente 130% nas demandas de primeira instância entre 2008 e 2017.

A pesquisa, realizada com base em dados da Lei de Acesso à Informação, identificou 498.715 processos em primeira instância, distribuídos entre 17 justiças estaduais e 277.411 processos de segunda instância, distribuídos entre 15 tribunais estaduais. Na segunda instância, houve um salto de 2.969 processos em 2008 para mais de 20 mil em 2017.

Problemas com os convênios foram a maior causa (30,3%) dos pedidos de processos relacionados ao assunto no país. Outros assuntos levados ao Judiciário foram:  pedidos de seguro em saúde (21,1%), saúde pública (11,7%), tratamento médico-hospitalar ou fornecimento de medicamentos (7,8%) e fornecimento de medicamentos (5,6%).

Na segunda instância, planos de saúde respondem por 38,4% e seguro, por 24,7%. Na primeira instância, são saúde pública (23%), planos de saúde (22,8%) e seguro (14%).

O estudo também revelou que, em São Paulo, 82% dos processos se referem a planos de saúde, tendo distribuído 116.518 casos nessa categoria. Já no Rio de Janeiro, saúde pública é o principal entrave, com 35% dos casos.

Em Minas Gerais, a maior demanda judicial é pelo acesso ao tratamento médico-hospitalar ou fornecimento de medicamentos, com 21%. E, em Santa Catarina, o tema mais recorrente, com 28% dos casos, é o acesso aos medicamentos.

Segundo dados apresentados pelo CNJ, o caso de maior relevo é o que envolve órteses e próteses, citados em mais de 108 mil decisões de tutela antecipada em uma amostra de 188 mil.

Claro que o valor de órteses e próteses e o caráter de urgência algumas vezes associado à sua utilização explicariam o elevado número de pedido de liminares; no entanto, chama atenção o fato de muitos profissionais da saúde ganham mais pela indicação de certas marcas e tipos desses materiais cirúrgicos.

Independentemente dos pedidos irreais que alguns pacientes demandam ao Judiciário, esses números constatam que a saúde no Brasil sofre os efeitos de uma má gestão política, econômica e administrativa. É preciso mais que do que ações pontuais para que se resolva ou, pelo menos, amenize a situação atual.

Não se pode olvidar que há também uma cultura de favorecimento diretamente ao médico, seja por meio da prescrição de medicamentos desnecessários com incentivos financeiros por fornecedores e laboratórios, seja por honorários profissionais que o médico irá receber pelo procedimento.

Tem-se assistido ao desmanche de quadrilhas formados por profissionais da saúde com escopo de fraudar o sistema de saúde quer público que privado, por exemplo, ao prescrever medicamentos pela marca, em vez de indicar apenas o princípio ativo.

O cenário é crítico e o sistema de saúde está à beira de um colapso. Os pacientes brasileiros sofrem com a falta de leitos, de atendimento de qualidade, com equipamentos decentes para exames e diagnósticos, com o tempo de espera para cirurgias e procedimentos, com a distribuição e o preço de medicamentos.

Sem esquecer que a falta de políticas de promoção à saúde, tal como tratamento de água e saneamento básico colaboram para a indústria da doença.

A judicialização no setor é um problema crônico, que parece um caminho sem fim. Há mais de uma década discute-se a possibilidade de uma força-tarefa entre os operadores do Direito e os profissionais da saúde para se resolver esta questão.

Entretanto, enquanto a política do Governo Federal não fizer sua parte, com ações, mudanças de gestão, previsões de gastos e uma atenção especial aos hospitais públicos, o Judiciário continuará servindo como porta de acesso àqueles que conseguem pagar advogados para ter privilégios ou para serem colocados à frente nas filas de espera para os diversos procedimentos no SUS.

A cultura do cidadão de entender a saúde como um direito de todos, de forma a que não se poderá suprir apenas os interesses individuais também é essencial. Aquele que usa seu plano de saúde para exames desnecessários ou judicializa para procedimentos e medicamentos que nem sequer utiliza também colabora para o caos na saúde.

O Judiciário, por sua vez, tem buscado formas de tornar mais rápidas e adequadas às decisões, por exemplo, o CNJ propõe aos magistrados julgadores que se utilizem dos NATs (Núcleos de Apoio Técnico), os quais disponibilizam fundamentos técnicos para auxiliar os juízes na tomada de decisões das demandas relacionadas à saúde.

Mister que sempre esteja presente o fundamento de que os recursos financeiros para a saúde são findos, isso em qualquer parte do mundo.

Enquanto o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto não fizerem sua parte, com ações, mudanças de gestão, previsões de gastos e uma atenção especial aos hospitais públicos, o Judiciário continuará servindo como porta de acesso àqueles que conseguem pagar advogados para ter privilégios ou para serem colocados à frente nas filas de espera para os diversos procedimentos da rede SUS.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde.

Fonte: Ex-Libris Comunicação Integrada



Você conhece a origem dos seus direitos?

Advogado e professor Marco Túlio Elias Alves resgata a história do Direito no Brasil e no mundo em livro que democratiza os saberes jurídicos.

Autor: Divulgação


Os planos de saúde e os obstáculos ao bem-estar dos pacientes

No contexto do direito à saúde no Brasil, os planos de saúde privados são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece normas e diretrizes para garantir a cobertura assistencial aos consumidores.

Autor: Natália Soriani


R$ 200 mil não apaga a dor, mas paga a conta

Um caso de erro médico do interior de São Paulo chamou atenção de todo Brasil por conta de dois fatores.

Autor: Thayan Fernando Ferreira


Precisamos mesmo de tantas leis?

O Direito surgiu como uma forma de organizar melhor as sociedades, uma vez que já havia algumas tradições reproduzidas a partir de exemplos ou de determinações orais que alguns grupos, especialmente os familiares, seguiam.

Autor: Marco Túlio Elias Alves


Proibição do chatbot na campanha eleitoral afeta políticos com menos recursos

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou normas relacionadas ao uso da inteligência artificial nas campanhas para as eleições municipais de 2024. A alteração é vista como pequena e mal discutida por especialistas da área.

Autor: Divulgação


Digitalização da saúde e os desafios na relação plano e consumidor

A digitalização da saúde, que compreende o uso de recursos tecnológicos e de Tecnologia da Informação (TI) para fins médicos, é um fenômeno que a cada ano se consolida e expande em todo o país.

Autor: Natália Soriani


Os equívocos do caso Robinho

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no uso de competência constitucional e regimental, analisou e, por maioria de votos, homologou o pedido de execução da sentença penal condenatória proferida pela Justiça Italiana contra o ex-jogador Robinho.

Autor: Marcelo Aith


A nova lei de licitações: o que deve mudar daqui para frente?

O sucesso dessa legislação dependerá do compromisso de todas as partes envolvidas em trabalhar juntas.

Autor: Matheus Teodoro


Exclusão de dependentes maiores de 25 anos de planos de saúde

Os magistrados têm reconhecido a existência de uma expectativa de direito por parte dos consumidores.

Autor: José Santana Junior


TikTok e a multa milionária por captura ilegal de dados biométricos no Brasil

Por utilizar métodos que ferem a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Civil da Internet, o TikTok, rede social famosa por vídeos de curta duração, foi multado em R$ 23 milhões pela Justiça.

Autor: Renato Falchet Guaracho


Como tornar o mundo jurídico descomplicado

A comunicação no mundo jurídico é uma das mais complicadas do mercado. Termos técnicos demais e palavras em latim, por exemplo, criam grandes obstáculos.

Autor: Gabriella Ibrahim


Por que a Meta deverá, obrigatoriamente, mudar de nome no Brasil?

A Meta, empresa dona dos aplicativos Facebook, Instagram e WhatsApp não poderá usar este nome no Brasil.

Autor: Renato Falchet Guaracho