A “pandemia” silenciosa da miopia
A “pandemia” silenciosa da miopia
Observamos nos consultórios - e estudos científicos comprovam - um aumento vertiginoso na incidência e progressão da miopia, em todo o mundo, nos anos de 2020 e 2021, quando comparado com os anos anteriores. Qual seria sua causa?
A miopia é uma anomalia refrativa dos olhos, que proporciona uma pior visão para longe, cuja principal causa se deve ao aumento do comprimento axial do globo ocular, focando a imagem à frente da retina, favorecendo assim, uma melhor visão para perto.
Sabemos hoje que é o problema visual mais comum em todo o mundo e, na mesma direção, configura-se como um crescente problema de saúde pública mundial, atingindo 60% da população na Ásia, 40% na Europa, 42% na América do Norte e 8,4% na América Latina.
Entre adolescentes e adultos jovens da Coreia, Taiwan e China, a prevalência da miopia chega a 84% - 97% dessa população. O seu aparecimento ocorre cada vez mais precocemente e com acelerada progressão ao longo dos anos.
Estudos constatam que, em 2000, o mundo apresentava em torno de 1.406 bilhão de míopes (28% da população) e que a estimativa para 2050 é de 4. 758 bilhões de míopes e de 1 bilhão de alta miopia (9,8% da população mundial), definida como um grau maior ou igual a 5,00 a 6,00 dioptrias esféricas, a depender da referência, ou um diâmetro axial maior que 26mm.
Muito além do uso dos óculos, a miopia pode acarretar complicações oculares proporcionalmente relacionadas ao seu grau de severidade entre elas o glaucoma e alterações da retina, como a degeneração macular e o descolamento. Estas alterações podem ser progressivas, irreversíveis e afetar indivíduos em sua idade mais produtiva.
O desenvolvimento da doença está associado a fatores genéticos, ambientais, socioeconômicos e culturais. No que concerne à genética, sabe-se que aproximadamente 200 genes podem estar ligados ao desenvolvimento da doença.
Entre os fatores ambientais, a urbanização se mostra como um fator de risco para o desenvolvimento da miopia, provavelmente devido ao fato de populações rurais realizarem mais atividades ao ar livre em comparação às urbanas.
Um outro fator ambiental suspeito é a distância em que as crianças desenvolvem suas atividades e o tamanho das imagens a que as crianças estão expostas, que podem estimular regiões periféricas da retina e sinalizar uma necessidade de alongamento do globo ocular como mecanismo compensatório. Os fatores socioeconômicos e culturais relacionam com o aumento da tecnologia e atividades para perto.
O confinamento causado pela pandemia de Covid-19 levou à falta de atividades ao ar livre e ao consequente aumento das atividades de perto com exposição a telas pelas aulas e distrações online (chegando a 16 horas por dia em alguns casos). Essa mudança de hábitos é um fator que poderia explicar o comportamento da miopia em todo o globo.
Existem dois caminhos para o controle da miopia: impedir o seu aparecimento ou frear sua evolução, no caso em que foi diagnosticada e se encontra em progressão.
Vários estudos já demonstraram que o aumento das atividades ao ar livre e a diminuição do tempo de trabalho que exige a visão para perto diminuem a incidência da miopia e a sua progressão.
Um estudo australiano com 863 crianças, com idade em torno de 6 anos, evidenciou que as crianças míopes passavam 16 horas/semana em atividades ao ar livre, ao passo que as crianças não míopes, 21 horas/semana. Trabalho semelhante realizado na China, em 2013, com 681 crianças, gerou as mesmas conclusões.
Diante disso, o melhor é limitar o uso de telas (principalmente de perto) e praticar atividades ao ar livre, mantendo as medidas de segurança.
Torna-se essencial, também, diagnosticar esses quadros em crianças e adultos jovens, de forma a tratar e a implementar estratégias que dificultem sua progressão.
O uso terapêutico da Atropina (colírio) para retardar a progressão da miopia em crianças e adolescentes já é reconhecido cientificamente e deve ser proposto em casos selecionados.
A Sociedade Brasileira de Pediatria e oftalmologia pediátrica recomendam duas horas/dia de atividades ao ar livre, à luz do dia e controle de atividades para perto.
As lentes de contato multifocais MiSight já estão chegando ao Brasil, como proposta para tentar inibir a evolução da miopia.
A avaliação e o acompanhamento oftalmológico fazem-se necessários para a devida correção da miopia por meio de óculos, lentes de contato ou tratamento farmacológico.
* Ana Drumond, Hudson Abreu e Luciene Chaves são Médicos Oftalmologistas do Corpo Clínico do Biocor Instituto.
Fonte: Naves Coelho Comunicação