A triste sina de família; que sobrevive com um salário
A triste sina de família; que sobrevive com um salário
Subia os Clérigos, quando deparo antigo condiscípulo, companheiro de muitas horas de lazer.
- Há séculos que não te vejo? O que é feito de ti?
- Vivo no interior – respondeu-me o Júlio
- Fizeste bem, há por lá ar mais puro, isento de poluição…
- Não o fiz por prazer – lamentou-se, mostrando fisionomia tristonha.
- Gostava de viver na cidade, onde tenho velhos amigos. O campo não é bom para mim. Gosto de movimento. Sou citadino por natureza, mas…
Explicou-me, então, a triste sina. Reformou-se no início do século. Não era muito, mas ia chegando… Com o correr dos anos a reforma degradou-se.
Aumentou a renda da casa, substancialmente; aumentaram os géneros alimentícios… Tudo vai aumentando, menos o que se recebe mensalmente.
Acrescentou, ainda com mágoa: as reformas mínimas têm subido, embora menos do que seria necessário; mas as outras?
O Júlio, desanimado, comentou de voz apagada, estar arrependidíssimo de não ter tentado lá fora, quando era novo:
- Se tivesse emigrado, quem sabe, se não teria reforma mais confortável, para passar a velhice melhor? Quem sabe?
Ainda quem recebe duas reformas, vai aguentando, mas eu, que nunca quis que minha mulher trabalhasse… Sabes? No nosso tempo os homens não queriam viver à custa das mulheres.
Era ponto de honra. O marido devia sustentar a família. A esposa era dona de casa: cuidava dos filhos e levava a termo o governo da casa.
Tive pena do Júlio. Embora a minha situação não seja muito melhor. Bem sei que na aldeia, como disse o Júlio, a vida é mais simples.
Sempre há lavradores que oferecem punhado de batatas, mão cheia de feijões, e pinga de azeite. Mas é triste chegar a velho e não ter fim de vida sossegado e feliz.
* Humberto Pinho da Silva