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Vivemos a era da antipolítica

Vivemos a era da antipolítica

09/10/2017 Ana Paula Silva e Milton Lahuerta

Entre os países mais ricos, os Estados Unidos lideram os ataques violentos com armas.

A tragédia de Las Vegas recoloca com força no debate público problemas considerados fundamentais para o futuro da democracia nos EUA e no mundo.

Amplamente tratados pelos meios de comunicação e pela academia norte-americana, temas como o controle de armas, a segurança pública, a vigilância e a reflexão sobre a estrutura organizacional dedicada a evitar tais processos voltam a estar no centro das atenções e podem dar a impressão de que se está enfrentando com seriedade as causas da violência de ódio que, frequentemente, acomete essa sociedade.

Não obstante, se olharmos com mais rigor para a situação, perceberemos que mais uma vez se está reiterando avaliações eivadas em base superficiais, na medida em que não se leva em conta o movimento de estruturação social que está na raiz de tais ataques.

Ainda que classificadas aqui como superficiais do ponto de vista sociológico, estas dimensões, sem dúvida, não podem ser menosprezadas, já que trazem à tona aspectos fundamentais do problema, como o grau de letalidade destes eventos, as respostas apresentadas pela política institucional e o volume de dinheiro destinado ao lobby das armas.

Em primeiro lugar, para que se tenha ideia de sua relevância, vale observar a quantidade de dados levantados pelas agências de pesquisa norte-americanas sobre a violência com armas nos EUA. Entre os países mais ricos, os Estados Unidos lideram os ataques violentos com armas.

No caso específico do ataque realizado por Stephen Paddock, há que enfatizar ainda que ele fez uso de armas automáticas com um grau extremamente elevado de letalidade, demonstrado pelo número altamente trágico de vítimas fatais e feridas com gravidade em Las Vegas. Outro ponto importante diz respeito ao poder da Associação Nacional pelo Direito às Armas (NAGR) e da Associação Nacional do Rifle (NRA).

Após o ataque em Sandy Hook em 14 de dezembro de 2012, por exemplo, que vitimou mortalmente vinte crianças de 6 a 7 anos e mais seis mulheres que trabalhavam na escola, houve um aumento considerável de dinheiro destinado ao lobby por estas Associações. De janeiro a maio de 2013, foram gastos pela ANGR e pela NRA US$ 3,8 milhões para fazer lobby junto a deputados e senadores americanos.

Este valor foi o equivalente ao triplo do que foi gasto no mesmo período do ano anterior, de acordo com números repassados por lei ao Senado e compilados pela organização Center for Responsive Politics (CRP). É evidente, portanto, que, quanto mais cresce a quantidade e a letalidades destes ataques, maior o volume de dinheiro destinado aos partidos e campanhas políticas norte-americanas que apoiam o uso indiscriminado de armas.

Com o crescimento exponencial, principalmente a partir da década de 1990, deste tipo de ataque, comumente classificado como rampage shooting, a academia norte-americana passou a se debruçar mais detidamente sobre o fenômeno e hoje em dia é possível encontrar uma extensa produção sobre o tema.

Além do debate sobre o controle de armas, os pesquisadores norte-americanos também se concentram no estudo da trajetória de vida e dos distúrbios psicológicos dos atiradores; no âmbito das ciências sociais, é possível encontrar também pesquisas sobre a influência dos meios de comunicação e sobre os erros organizacionais cometidos no enfrentamento do problema.

Nota-se que, em função da noção da ideia de excepcionalismo norte-americano, que influencia fortemente a academia, e do cientificismo, as pesquisas norte-americanas tendem a não abordar tais ataques como um fenômeno social, cuja explicação possui raízes nas mudanças da estrutura social, que geram, por sua vez, transformações nos valores e na cultura.

Assim, se é um fato indiscutível que, desde os anos 1960, os Estados Unidos se tornaram uma sociedade menos discriminatória com o movimento pelos direitos civis e o surgimento do feminismo, isso não significou a emergência de uma sociedade mais justa, aberta e igualitária. Ao contrário, na sociedade norte-americana a desigualdade prossegue crescente e afeta, principalmente, os mais pobres, os negros e outras minorias.

Vale acrescentar também que este ambiente injusto e desigual reforça o isolamento e a competição predatória entre os indivíduos, alcançando a todos, ainda que de forma diferenciada. Há uma tensão social crescente que, ao aliar individualismo competitivo com normalização excessiva, classifica padrões rígidos de comportamento e estabelece divisões.

Esta tensão é criada, pensando de maneira mais ampla, pela necessidade daquilo que Zygmunt Bauman chama de busca da eliminação da ambivalência. Como o autor elabora, esta busca é algo característico da modernidade clássica, mas na modernidade radicalizada ela é individual e há algo de autodestrutivo nela, pois, quanto mais normas são estabelecidas para se criar controle e eliminar as ambiguidades, mais lugar se dá à ambivalência.

Assim, deve-se ressaltar que há uma tradição democrática nas instituições norte-americanas, no entanto, a crise de controle social, evidenciada com a intensificação da vigilância, da punição e da hostilidade ao “outro”, produz uma experiência cotidiana marcada pelo engessamento nas formas de agir e pensar. Na perspectiva da filosofia política, pode-se dizer que este cotidiano social norte-americano está sendo moldado pelo oposto da política, que, segundo Hannah Arendt, é a arte de agir em concertação.

Nos termos desta autora, o sentido da política, entendida como um poder concertado, comunicativo e conflitivo, é exatamente apresentar-se como o oposto da violência, que se exercita justamente pela negação do diálogo, pela lógica da ruptura e pela perspectiva de eliminação do “outro”.

Vivemos a era da antipolítica e ela se propaga não apenas nos votos dados a políticos com discursos extremados, que negam o entendimento, mas, principalmente, através da violência difusa, metapolítica, que expressa sempre um sentido absoluto, inegociável, porque se destina a toda uma estrutura social, na qual o indivíduo não consegue compreender o sentido da concertação e, ao mesmo tempo, não desenvolve o repertório necessário para se expressar através de um modo efetivamente político.

Se esse diagnóstico faz sentido, não há nenhuma razão para se imaginar que a violência de ódio tenda a diminuir apenas com medidas repressivas. Mais do que nunca, precisamos resgatar a importância da comunicação, da concertação e do respeito radical ao outro como elementos formadores da subjetividade contemporânea, pois sem eles o que ainda parece ser apenas o resultado de individualidades patológicas tenderá a se reproduzir como uma verdadeira epidemia.

* Ana Paula Silva é pesquisadora do Laboratório de Política e Governo da UNESP.

* Milton Lahuerta é coordenador do Laboratório de Política e Governo da UNESP.



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