Portal O Debate
Grupo WhatsApp

Filmes Soviéticos Década 1920

Filmes Soviéticos Década 1920

21/12/2017 Guido Bilharinho

Um poema imagético como nunca se fez e talvez nunca se fará igual.

O Encouraço Potemkin

A Arte da Imagem

Antonioni afirmou que sua pretensão era escrever com a câmera (Fernando de Barros, “Michelangelo Antonioni Fala: Eu Ainda Escreverei Com a Câmera”, in revista Cláudia, 1964).

Contudo, antes dele, em O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potemkin, U.R.S.S., 1925), Sergei Eisenstein (1898-1948), já o fizera. E tanto e tão bem, que o filme dispensa até mesmo as legendas, bastando, não para entendimento do espectador, mas, para sua informação, que se situassem os acontecimentos - verídicos - em tempo e espaço num texto de não mais de meia página no início do filme.

Tudo o mais é e seria dispensável porque as imagens, sua combinação e sucessividade falam por si, exprimindo verdade e significado.

Não é apenas a montagem que infunde vigor, energia e tom epopeicos ao filme, dos mesmos teor e intensidade ocorrentes na Ilíada. Tudo o faz. A montagem é seleção, junção e ordenamento das imagens. Em O Encouraçado Potemkin, antes dela, existem as imagens, que falam, mais do que mostram, por si mesmas. Pela beleza resultante de sua qualidade intrínseca, enquadramento, angulação e conteúdo. Pouco ou nada adiantariam os três primeiros atributos se não refletissem, na captação técnico-estética procedida, análogas propriedades em posicionamento, direção e interpretação (expressões fisionômicas e gestuação) dos atores e figurantes.

Num filme em que tudo excede a perfeição, as tomadas e imagens encerram, isoladamente ou em seu conjunto, a máxima possibilidade estética que se lhes pode infundir e extrair. Tudo é antológico. Não há meio termo. Um poema imagético como nunca se fez e talvez nunca se fará igual. Nem em A Paixão de Joana D’Arc (La Passion de Jeanne d’Arc, França, 1928), de Carl Theodor Dreyer, filme que em tudo o mais se lhe aproxima e cuja grandeza estética e cinematográfica Jorge Luís Borges não percebeu (ver “La Fuga”, in Borges em /e/Sobre Cinema, organizado por Edgardo Cozarinsky. São Paulo, Iluminuras, 2000, p.67), e ao qual Evaldo Coutinho opõe improcedentes restrições formais (in A Imagem Autônoma. São Paulo, Editora Perspectiva, 1996, p.39).

A sucessão fática constitui o que de mais seletivo e concentrado existe, transfundindo e fundindo, num só corpo, conteúdo e forma, tema e modo.

O encadeamento sequencial dos acontecimentos percorre a ordem cronológica, mas, é de seu cerne que é feito o filme. O descontentamento e posterior revolta da marinhagem procedem-se internamente, como nebulosa que paulatinamente adquire consistência e forma, não sendo esta apenas sua exteriorização ou expressão, mas, seu próprio ser, como quer Fielding com a arte. Consolidada, a insatisfação apresenta grau superior de conhecimento da realidade, desencadeando-se face às violentas imposições superiores. Essa conscientização materializa-se em revolta, que, por sua vez, conduz a patamar mais alto de compreensão e percepção dos fatos.

A receptividade manifestada pelo povo de Odessa, onde o encouraçado revoltoso atraca, confere à circunstância dimensão que lhe transmite não apenas adição de apoiadores, mas, novos e mais amplos conteúdo e natureza.

Se o episódio da escadaria de Odessa é, em arte e não apenas em cinema, inexcedível, representando epopeia às avessas, já que derrota do povo e não vitória de um herói, o que nele se fez - e passa a existir - é nova visão da História, em que o povo, mesmo ou até por isso mesmo esmagado, converte-se de objeto em sujeito, porque não é o resultado da ação que tem validade e encerra significado, mas, a própria ação, desde que seja libertária e processada coletivamente. Nada existe mais importante do que isso: a permanente luta pela liberdade, igualdade e respeito humano. A evolução histórica, desde seus primórdios, após vencida a etapa inicial de sobrevivência e adaptação da espécie ao cosmo, não é mais do que a busca desses objetivos.

A cena final constitui abertura para o futuro e o infinito, dizendo, em imagens, que a ação daqueles marinheiros não foi em vão. Como também a ação no mesmo sentido de qualquer indivíduo ou grupos de indivíduos. Ao contrário, somando-se, conduzem e transformam a sociedade.

O Encouraçado Potemkin é síntese de fundo e forma, verdade e realidade, ação e liberdade, vontade e vitória, humanismo e arte. No mais alto grau de concepção e realização. É a beleza da imagem. Da imagem que fala e significa. Da imagem discurso, mas, antes de tudo, da imagem visão.
Se o cinema é a arte da imagem em movimento, O Encouraçado é a arte da imagem. Não é apenas o melhor filme do cinema. É cinema. O que a maioria dos filmes nega pelo menos três vezes, como são Pedro a Cristo, na intenção, na concepção e na realização.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2003)

* Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 (https://revistadepoesiadimensao.blogspot.com.br) e autor de livros de literatura, cinema e história do Brasil e regional, publicando desde setembro último um livro por mês no blog https://guidobilharinho.blogspot.com.br.



Um livro para crianças vítimas da violência e da negligência social

Inspirada em fatos, ficção do advogado Mauricio Ribas promove conscientização sobre direitos fundamentais na infância e a importância de uma educação libertária.


A FLIP e o seu arquétipo de literatura

Eu fui à FLIP, mas não como autor convidado, mesmo que meu livro estivesse sendo vendido lá.


Propriedade Intelectual: o que todo profissional do Direito precisa saber?

Manual reúne informações sobre autoria e proteção legal nem sempre ensinadas na graduação, mas que fazem parte da rotina dos advogados.


Como combater o discurso de ódio nas redes sociais?

Especialista em Direito Digital apresenta meios para prevenir, caracterizar e punir as manifestações intolerantes e ofensivas.

Como combater o discurso de ódio nas redes sociais?

Glorify: ensinamentos diários para combater a ansiedade

Experiência digital proporcionada pelo aplicativo agora pode ser vivenciada em devocional impresso.


A escrita brasileira sob sombra: onde estão os novos autores do Brasil?

O Brasil é um país rico em literatura e cultura, com uma tradição de autores renomados que moldaram a cena literária nacional e internacional.


Educação antirracista: estratégias para um ambiente escolar mais igualitário

Francine Cruz propõe em livro arcabouço teórico aliado a atividades interdisciplinares para prevenir o racismo nas escolas.


Celebremos os livros e os autores brasileiros

A literatura, sem dúvida, é uma das mais significativas manifestações culturais de um povo.

Celebremos os livros e os autores brasileiros

Como opiniões se tornam julgamentos

Em seu novo livro, o mestre em Direito Constitucional, Ribas de Lima, investiga como as pessoas julgam e são julgadas.

Como opiniões se tornam julgamentos

Pesquisa revela que 74% dos adolescentes acreditam em Jesus

Novas versões editadas pela Mundo Cristão permitem concluir a apreciação das Sagradas Escrituras em um ano com doses diárias de 15 minutos.

Pesquisa revela que 74% dos adolescentes acreditam em Jesus

Livro explica o que há fora do sistema solar

Especialista em Astronomia revela como cientistas descobrem planetas e reflete sobre as possibilidades de vida em galáxias distantes.


Metaversos vs multiversos literários: quem vence?

É fato que, quando lemos um livro, vivenciamos os sentimentos dos personagens e aprendemos com eles.

Metaversos vs multiversos literários: quem vence?