Portal O Debate
Grupo WhatsApp

O normal virou gordo e o desnutrido virou normal

O normal virou gordo e o desnutrido virou normal

18/02/2017 Cezar Vicente Jr.

A ditadura da beleza e como ela estraga a alimentação das pessoas.

O normal virou gordo e o desnutrido virou normal

Estamos no verão e adivinha: vem Carnaval aí! Sol, praia, calor, corpos esculturais e... epa! Desde as épocas mais remotas sempre houve um determinado tipo físico em que as pessoas se inspirassem por ser considerado belo.

Até o início do século XX, a beleza feminina era tida com um dom divino, uma dádiva que só podia ser imitada por meio de recursos que deixassem as mulheres temporariamente similares com o considerado ideal. Alguns destes recursos eram apetrechos como o sutiã de bojo, as perucas, a maquiagem e o espartilho.

Com o desenvolvimento da medicina, alguns dos atributos “não-belos” foram aos poucos sendo classificados como doenças - por exemplo, a obesidade e a desnutrição – e a consequência é que toda a doença está passível de ter uma cura.

Então, tratamentos para várias questões, antes consideradas de estética, passam agora a também fazer parte do escopo da saúde. No meio dessa miscelânea estão o peso e a forma física. Desde sempre estiveram compondo as referências de beleza e feiura na história, mas sem dúvida nunca tão fortes como hoje.

Atualmente, basta uma pesquisa simples sobre “mulher bonita” na internet que você perceberá um padrão: jovens, loiras, magras e definidas, com bumbuns avantajados e seios proeminentes. Em nossa era temos algo inédito: os editores de imagem, onde transformam pessoas já dentro do padrão de beleza em pessoas surrealmente aperfeiçoadas, construindo uma beleza de questionável possibilidade no plano real.

Com a ajuda da superexposição dessas imagens, nossa referência vai ficando cada vez mais irreal. Só para se ter uma ideia, no último Miss Universo, a ganhadora foi a francesa Iris Mittenaere, com um IMC de 18,3 kg/m², o que significa desnutrição grau I.

No caso da canadense Siera Bearchell, com um IMC de 19,9 kg/m², a reação de parte do público foi cruel: a moça foi achincalhada e chamada de gorda por muitos internautas, mesmo o seu IMC classificando seu peso como normal.

Esse recente episódio nos mostra como a nossa referência de corpo bonito está viciada: o normal virou gordo e o desnutrido virou normal. Sem dúvidas, o peso corporal e sua composição tem uma relação importante com a saúde, porém não nos moldes que o senso comum diz.

Não se trata de negar que o peso corporal tem uma relação importante com a saúde, entretanto o que temos hoje é um grande terrorismo. E com isso, no terreno onde está o peso estão completamente misturadas também a saúde e a estética.

Uma mistura tão profunda que é muito difícil percebermos em uma notícia, por exemplo, quando estamos falando de peso e quando estamos falando de estética. No meio de tudo isso temos a comida. Essencial para a sobrevivência, mas muito temida.

E, vale lembrar, atualmente vivemos numa era com muita disponibilidade de comida. Esta é vista como um manipulador do peso e forma do corpo, que, neste espectro, se materializa na forma das dietas da moda, dos alimentos/nutrientes mágicos e dos alimentos/nutrientes perigosos.

Embebido no universo em que “cuidar” do peso passou de normal para uma norma de comportamento, o comer passou a gerar muita culpa, pois com frequência este “comer certo” não vem de acordo com o comer cultural, habitual, afetivo, simbólico, social e prazeroso.

Nesse ponto criamos dois polos: um deles, onde a pessoa está buscando alcançar o padrão (mesmo que sem sucesso) por meio da alimentação, medicamentos, shakes, etc.; e no outro polo onde a pessoa nega esse caminho e decide apenas comer.

Esse último caso seria uma opção muito saudável se a nossa escolha alimentar não estivesse tão atravessada pela indústria alimentícia, pela propaganda de alimentos, pela onipresença dos ultraprocessados, pelos modos de vida moderno priorizando os meios de produção em detrimento do cuidado do próprio comer, pelo distanciamento do cozinhar, pela não percepção adequada da fome e da saciedade, entre tantos outros fatores.

Com isso, mergulhados nesse mundo onde é necessário ser belo, e não qualquer belo, mas o padrão (irreal), temos um prato cheio para indústria da beleza, que se concretiza num verdadeiro mercado infinito. Muita gente sofre nesse fogo cruzado, na relação com o seu próprio corpo e também no relacionamento com a alimentação.

A comida hoje foi reduzida a nutrientes, o que faz bem ou faz mal, o que engorda ou não engorda, o que é saudável ou não saudável – relegando um processo natural a uma dicotomia triste e traumática. E nesse looping eterno, o comer perde espaço para o emagrecer.

É possível ter paz com o seu corpo e com a comida e isso deveria ser muito intuitivo, mas não é. E essa paz não exclui o “estar saudável”. Pelo contrário, inclui. É preciso estar atento e criticar esse modelo de beleza único e de alimentação puramente focada em nutrientes e dicotomias.

Assim podemos ressignificar uma cultura, pois a postura de um novo comportamento é o motor da mudança. Essa não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível.

* Cezar Vicente Jr. é Nutricionista, supervisor no Ambulatório de Anorexia Nervosa do Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Ambulim - HCFMUSP).



Violência não letal: um mal silencioso

A violência não letal, aquela que não culmina em morte, não para de crescer no Brasil.

Autor: Melissa Paula


Melhor ser disciplinado que motivado

A falta de produtividade, problema tão comum entre as equipes e os líderes, está ligada ao esforço sem alavanca, sem um impulsionador.

Autor: Paulo de Vilhena


O choque Executivo-Legislativo

O Congresso Nacional – reunião conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados – vai analisar nesta quarta-feira (24/04), a partir das 19 horas, os 32 vetos pendentes a leis que deputados e senadores criaram ou modificaram e não receberam a concordância do Presidente da República.

Autor: Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves


A medicina é para os humanos

O grande médico e pintor português Abel Salazar, que viveu entre 1889 e 1946, dizia que “o médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe”.

Autor: Felipe Villaça


Dia de Ogum, sincretismo religioso e a resistência da umbanda no Brasil

Os Orixás ocupam um lugar central na espiritualidade umbandista, reverenciados e cultuados de forma a manter viva a conexão com as divindades africanas, além de representar forças da natureza e aspectos da vida humana.

Autor: Marlidia Teixeira e Alan Kardec Marques


O legado de Mário Covas ainda vive entre nós

Neste domingo, dia 21 de abril, Mário Covas completaria 94 anos de vida. Relembrar sua vida é resgatar uma parte importante de nossa história.

Autor: Wilson Pedroso


Elon Musk, liberdade de expressão x TSE e STF

Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, renomado constitucionalista e decano do Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar sobre os 10 anos da operação Lava-jato, consignou “Acho que a Lava Jato fez um enorme mal às instituições.”

Autor: Bady Curi Neto


Senado e STF colidem sobre descriminalizar a maconha

O Senado aprovou, em dois turnos, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Drogas, que classifica como crime a compra, guarda ou porte de entorpecentes.

Autor: Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves


As histórias que o padre conta

“Até a metade vai parecer que irá dar errado, mas depois dá certo!”

Autor: Dimas Künsch


Vulnerabilidades masculinas: o tema proibido

É desafiador para mim escrever sobre este tema, já que sou um gênero feminino ainda que com certa energia masculina dentro de mim, aliás como todos os seres, que tem ambas as energias dentro de si, feminina e masculina.

Autor: Viviane Gago


Entre o barril de petróleo e o de pólvora

O mundo começou a semana preocupado com o Oriente Médio.

Autor: Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves


Nome comum pode ser bom, mas às vezes complica!

O nosso nome, primeira terceirização que fazemos na vida, é uma escolha que pode trazer as consequências mais diversas.

Autor: Antônio Marcos Ferreira