Quando o problema é viver
Quando o problema é viver
Um tema que há muito vem me preocupando é a qualidade de vida dos idosos e também dos seus familiares.
Sou de uma família de longevos, na qual a maioria dos meus parentes passou dos 90 anos. Eu mesmo conheci todos os meus avós e fui criado junto a um que chegou aos 98 anos. Era outra época, as mulheres não trabalhavam fora e ficava sempre sobre sua responsabilidade cuidar dos idosos da família. Existiam também as abnegadas empregadas, praticamente “crias da casa”, que muito ajudavam nos cuidados com os velhinhos. Bons tempos aqueles, quando havia filhas e filhos disponíveis e um bando de netos em volta dos vovôs que, em sua maioria, moravam em casas, com gatos e cachorros e realizavam o sagrado almoço de domingo — ocasião em que todos se reuniam para a alegria dos seus progenitores.
O tempo passou e as famílias mudaram muito, ficaram bem menores e as mulheres, em geral, tiveram de trabalhar fora, assumindo uma dupla jornada, pois quando chegam em casa ainda precisam limpar, lavar, passar, cozinhar, tomar a lição de casa do único filho, quando este existe, e por aí afora. As empregadas, “crias da casa”, também não existem mais, tornaram-se diaristas, isto quando os patrões conseguem pagá-las.
Diante dessa nova realidade — mulheres no mercado de trabalho, a diminuição do número de filhos, a falta de empregados e de recursos financeiros, a omissão governamental quanto à criação e instalação de locais para os idosos (creches geriátricas) —, como resolver uma situação cada dia mais caótica, não só para os idosos, mas também para os seus poucos familiares? Nossa cultura ainda não se preparou para a colocação dos idosos em asilos, pois estes, quando existem, ou são inacessíveis para grande parte da população, ou são meros depósitos de velhos com raríssimas exceções.
E como resolver este triste quadro? Eu mesmo, já sexagenário, felizmente ainda tenho pai vivo, mas que começa a ter alguns problemas que tendem a aumentar. Todos os meus amigos, que são muitos, que tem pais ou mães vivas também estão enfrentado o mesmo problema, em maior ou menor grau, e alguns não têm como resolvê-los. E como solucionar este quadro, que só deve piorar com o aumento da expectativa de vida de nossos idosos? Como dar-lhes conforto e cuidados, se a maioria de nós não tem tempo nem recursos para ampará-los? Quem cuidará, não só deles, mas de nós brevemente?
O Estado do Rio de Janeiro prepara a regulamentação da profissão de cuidadores, como assisti recentemente na televisão. Porém, no resto do País pouca coisa vem sendo feita. Os proventos dos aposentados estão defasados por uma política que penaliza cada vez mais este grande contingente da população que recebe acima de um salário mínimo e que hoje soma mais de 9 milhões de pessoas. O governo não cria políticas efetivas de amparo e cuidados aos idosos e os planos de saúde inviabilizam qualquer plano para quem tem mais de 60 anos.
Se alguma coisa não for feita urgentemente, posso afirmar que a morte deixa de ser problema e o grande conflito, tanto para os idosos, como para seus familiares, passa a ser viver depois de se atingir uma certa idade.
* Nicolau Amaral é empresário da área de Comunicação - e-mail: [email protected]