Estatuto de proteção ou desproteção do deficiente?
Estatuto de proteção ou desproteção do deficiente?
Uma análise crítica da Lei 13.146/15: Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A proteção jurídica diferenciada para determinadas grupos sociais é sempre motivo para aplausos.
Desde os anos 90, o Brasil tem assistido a criação de diversas leis neste sentido.
Como exemplo podemos citar o Código de Defesa do Consumidor (8.078/90); Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90); a Lei do Inquilinato (8.245/91); o Estatuto do Idoso (10.741/03) etc.
Nesta mesma linha, surge em julho de 2015 o Estatuto da Pessoa com Deficiência (cuja vigência inicia-se a partir do começo de 2016), para assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social.
A leitura inicial do Estatuto nos permite concluir que suas normas e objetivos são nobres.
A inclusão social e a promoção da isonomia e igualdade para o exercício de direitos é uma das principais temáticas jurídicas da atualidade.
Mas a atitude inclusiva do Estatuto criou uma situação jurídica que, ao invés de proteger a pessoa com deficiência, caminha no sentido oposto.
É sabido que determinadas deficiências, especialmente as de natureza mental e intelectual, impedem que o sujeito exerça pessoalmente os atos da vida civil.
Diante dessa situação, o Código Civil garantia a inclusão social e negocial dessas pessoas por meio da intervenção de um curador, o qual exercia poderes de representação e assistência em diferentes atos jurídicos.
A curadoria das pessoas com deficiência tinha como base o art. 3o. e 4o. do Código Civil, ao inserir estas pessoas no rol dos incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil.
Mas com o início da vigência da lei 13.146/15 todas as pessoas com deficiência, independentemente da natureza, passaram a ostentar a plena capacidade para o exercício dos atos da vida civil (art. 6o. do Estatuto).
Esta nova regra exclui os deficientes do rol das pessoas incapazes. Em certa medida a mudança é positiva. Não é justificável, por exemplo, que uma pessoa cadeirante seja tratada como incapaz.
Mas, infelizmente, esse raciocínio não é válido para diversas deficiências mentais e intelectuais. Algumas patologias cognitivas impedem que o sujeito possa gerir autonomamente atos da vida civil.
Daí a importância do curador, que atuava suprindo essa inaptidão. Mas com a nova redação do Código Civil este auxilio deixou de existir.
E diante desta situação uma nova pergunta surge: como essas pessoas serão protegidas? É certo que o Estatuto permite a curadoria do deficiente.
Mas como bem esclarece o 1° do art. 84, este mecanismo é extraordinário e só atinge atos e negociais de conteúdo patrimonial.
Daí a questão: como proteger o incapaz na prática de atos existências e personalíssimos que ele não compreende o resultado e as consequências?
Essas e outras perguntas surgem com a edição do novo Estatuto dos Deficientes. Uma norma que deveria aumentar a proteção dessas pessoas, mas ao que tudo indica, está caminhando em largos passos para um outro sentido.
* Brunno Pandori Giancoli é professor de Direito Civil e Direito do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.