Champs Elysees: quando um olhar por trás da burca quase me espetou
Champs Elysees: quando um olhar por trás da burca quase me espetou
Agosto de 2006. Há doze dias estamos conhecendo as belezas da Europa juntamente com minha esposa, Flávia, e um casal de amigos, Sandra e Dirceu.
Já havíamos passado pela Itália, onde estivemos em Roma, Florença e Veneza.
Na França, depois de Paris, alugamos um carro em Versalhes e fizemos um tour pelo Vale do Loire, para conhecer alguns castelos, Chambord, de Blois e Villandry. Perto deste último, paramos para almoçar.
Minha proposta foi pedir algo o mais parecido possível com a comida brasileira, pois não queria correr nenhum risco gastronômico, área na qual sou totalmente conservador.
O Dirceu, buscando uma experiência um pouco mais agressiva, buscou no cardápio algo que pudesse dar a ele uma nova experiência na gastronomia francesa.
Encontrou um prato chamado Gacho. Pelo que pudemos verificar, seria algo próximo ao que costumávamos comer no Brasil. Chegados os pratos, não tivemos dificuldades com o prato que eu escolhera.
Já o Dirceu, ao verificar aquilo que pedira e que agora estava sobre a mesa, olhou para nós como se dissesse: tem certeza que foi isso mesmo que eu pedi?
Rimos bastante ao conferir o prato: era uma tijela com bastante caldo, uma sopa de tomate, rala, fria e, boiando dentro dela, alguns bichinhos que pareciam gafanhotos. O jeito foi devorar as entradas e pedir mais um do outro prato mesmo.
Voltando a Paris, discutimos no jantar o nosso programa para o dia seguinte. O Dirceu e eu queríamos conhecer o complexo de tênis onde é disputado o torneio Roland Garros.
Programa que não interessava às mulheres, mas que dava a elas a oportunidade de fazer compras, sem o crivo dos maridos.
Naquela época a nossa primeira netinha, Isabela, estava com sete meses de idade, e a Flavinha não poderia perder a oportunidade de dar um reforço no seu enxoval. Descobriu uma região onde o comércio desse tipo de roupa era farto e com bons preços e combinaram de irem lá.
Fomos então conhecer o complexo de tênis, que mesmo sem o torneio, me causava muita alegria, como praticante amador do esporte e admirador de grandes tenistas, especialmente do Roger Federer.
Quando voltamos ao hotel, as esposas já estavam lá, felizes com as compras que fizeram. Nem cheguei a ver as compras que a Flavinha fizera, pois, segundo ela, já estavam devidamente guardadas na mala.
A satisfação estava estampada no rosto. Imaginei que comprara algumas roupinhas lindas para a Isabela.
Somente quando chegamos ao Brasil, ao desembalar as malas ela foi mostrar as roupinhas da neta. Começou a tirar uma, depois outra, mais uma, e eu só olhando, e mais uma, até que tirasse todos os vinte e três conjuntinhos!
Minha reação foi apenas rir. Isso era a cara dela mesmo! Isabela teria roupa de Paris por vários anos.
No dia seguinte às compras, o programa era passear a pé pela Champs Elisés, desfrutando daquela beleza. No calçadão da avenida algumas lojas tinham na frente uns locais como se fossem quiosques vinculados a elas, onde se poderia tomar uns chopes e comer alguns petiscos.
Como coração do mundo, ali se misturava gente de todo lugar. Muitos africanos vendendo produtos típicos e orientais com suas máquinas fotográficas de fazer inveja. Várias línguas se ouviam naquela mistura de raças.
Dentre elas uma em especial me chamou muito a atenção e por pouco não nos causou um problema. Em determinado momento, vimos vários homens conversando, vestidos de bermudas, rindo bastante. Perto deles, suas mulheres vestindo burca preta, onde apenas os olhos ficavam à vista.
Nunca tinha estado assim tão próximo e fiquei realmente curioso. Não só pelos trajes, que imaginava muito desconfortáveis naquele calor de verão europeu, mas pela discrepância com os seus maridos tão à vontade e com trajes tão diferentes e de acordo com o clima local.
Curioso que estava, olhei demoradamente para uma delas, que, ao perceber o meu olhar, ao invés de se encantar, ficou enfurecida e gritou para mim:
-What???
Aquele grito me deixou gelado! Aquele "what" parecia que tinha sido gritado num alto falante! Fiquei imaginando se o seu marido percebesse e viesse tomar satisfação. Numa língua que eu não entendia absolutamente nada!
Ainda trêmulo, desviei o olhar, pedi um chope e caprichei num tiragosto. Mas o olhar daquela mulher de burca esteve comigo durante muito tempo.
Sem nenhuma paixão. Apenas estranhamento e pena pela desigualdade em que elas viviam com seus maridos. Mas o olhar da Flavinha, sem burca, me faz um bem danado! Ainda bem.
* Antônio Marcos Ferreira