Mulher Samambaia: quando as pernas provocaram discórdia
Mulher Samambaia: quando as pernas provocaram discórdia
No nosso último ano do curso de engenharia era comum as empresas solicitarem às áreas de recrutamento executarem testes de seleção entre os formandos.
Para nós era muito bom, pois ao invés de irmos procurar as empresas em busca de emprego, fazíamos as provas na própria sala de aula. E eram sempre grandes empresas nesse processo.
Quando terminava o nono período, o Alberto Rêgo, um amigo da turma de engenharia mecânica, que morava em Teófilo Otoni, me convidou para ir ao aniversário de um parente seu na sua cidade natal.
Fomos de carro e o caminho natural da viagem passava por Ipatinga, sede da Usiminas, uma das empresas que faziam a seleção de engenheiros na escola.
Não conhecia a cidade e as primeiras imagens que me marcaram foram a fumaça nas chaminés da usina e a quantidade de homens vestidos de cinza transitando nas ruas.
Comentei com o Alberto: aqui eu não venho trabalhar de jeito nenhum! Coisas que nunca devemos falar. Voltamos das festividades em Teófilo Otoni para iniciar o último período do curso.
Começaram os processos de recrutamento e fui selecionado exatamente pela Usiminas. Para trabalhar onde? Ipatinga. O Alberto também foi selecionado.
Além da Usiminas, a Açominas, que estava iniciando as atividades em Ouro Branco, a Telemig e Acesita também fizeram provas na escola.
O meu irmão Humberto foi selecionado para a Açominas, mas o estágio era feito na Usiminas em Ipatinga. Outro irmão, Marcos, estava há seis meses na Acesita, em Timóteo.
Após os resultados dos testes, o próximo passo eram os exames médicos, a serem feitos em Ipatinga. O alojamento, no bairro do Horto, estava repleto de jovens engenheiros, conferindo a saúde em busca de emprego.
Logo de manhã, a kombi da Usiminas passava recolhendo a turma para os exames, entre eles o de urina e fezes, que proporcionava uma cena engraçada. Todos de cabeça baixa, envergonhados, com os potinhos cheios nas mãos, para levar ao laboratório.
Concluídos os exames, fomos aprovados e nos preparamos para iniciar a carreira de engenheiro. Como era costume na época, juntamos cinco colegas conhecidos para montar uma república no bairro Cariru.
Na república moravam, além de mim, o meu irmão Humberto, Alberto, Anderson, Sander e Paulinho, depois substituído pelo Joel.
Montamos também um bom time de futsal (na época futebol de salão) a quem demos o nome de Pincelão, nome também da nossa república.
Para ir e voltar ao trabalho, para o transporte na área da Usina e na cidade, compramos um fusquinha já bem velho, mas que cumpria bem este seu seu papel.
Menos uma vez. Certo dia, fui ao banco após o almoço, e ao passar por uma linha férrea dentro da área da usina, não percebi a chegada do trem. Quando o vi, já estava muito próximo, e o fusca resolveu apagar exatamente em cima da linha férrea.
Fiquei desesperado e o maquinista acionou os freios. Eu não sabia se saía do carro ou com o carro. Ouvia o barulho dos freios da locomotiva, fiquei paralisado e o trem parou a dois metros do fusca.
Saí do carro tremendo e só não sujei as calças porque não tinha material pronto. A única coisa que consegui fazer foi pedir desculpas ao maquinista. E, logicamente, agradecer mais uma vez ao meu anjo da guarda.
Fiquei por um ano e dois meses na Usiminas, na área de Laminação de Chapas Grossas. Pedi demissão e voltei para BH, mas antes disso os meus dois irmãos já tinham feito o mesmo.
Trabalhávamos aos sábados, de forma alternada, e, mesmo quando trabalhava, vinha passar o fim de semana em BH. A estrada era muito ruim e perigosa, o que fazia desse ir e vir toda semana algo muito perigoso.
Durante minha estada na Usiminas fiquei apena dois fins de semana em Ipatinga. Um no plantão, para acompanhar a manutenção de um motor danificado, e outro para participar de um festival de música sobre segurança no trabalho.
Ganhei o festival, cujo prêmio foi uma viagem de uma semana no Rio de Janeiro paga pela empresa. Não cheguei a usufruir do prêmio, pois pedi demissão antes.
A vida em Ipatinga naquela época não era fácil. Na república tínhamos que fazer escolhas: se a janela do quarto ficasse fechada, o calor era insuportável. Se ficasse aberta, o insuportável era o cheiro da coqueria ou a revoada de pernilongos.
A solução era fechar a janela, ligar o ventilador e salpicar água na cama. Assim ficávamos livres da catinga e das muriçocas e aliviava o calor.
Certa feita, um dos colegas de república chegou em casa indignado com o que lhe ocorrera. Em frente à nossa república morava um casal, cujo marido também trabalhava na Usiminas e a esposa não trabalhava fora.
De vez em quando ela varria a calçada ou molhava as plantas, normalmente vestindo short e camiseta. Algumas vezes coincidia de nosso colega chegar para o almoço e avistá-la fazendo as tarefas.
Ela achou que ele a olhava muito e reclamou para o marido. Este, por sua vez aproveitou uma das suas chegadas e foi tirar satisfação, o que o deixou muito irritado.
Entrou em casa, onde estávamos todos e reclamou: - Esse pessoal não tem noção das coisas. Vocês acreditam que o marido da vizinha de frente veio reclamar que eu estou olhando muito para sua mulher? Logo pra ela, com aquelas pernas cheias de celulose! Risada geral.
E eu não perdi a chance: - Celulose nas pernas? Uai, então acabaram de inventar a mulher samambaia!
Pouco tempo depois a república foi desfeita, alguns vieram para BH, outros para Ouro Branco. Mas a mulher samambaia continuou molhando as plantas, sem ninguém para admirar a celulose nas suas pernas!
* Antônio Marcos Ferreira
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