Portal O Debate
Grupo WhatsApp

Análise de registro imobiliário

Análise de registro imobiliário

07/03/2023 Rafael Berzotti

A compra de imóveis de grande valor ou o seu uso como garantia de dívidas exigem uma análise profunda da documentação dos imóveis para a segurança jurídica dos negócios.

Essa investigação é ainda mais necessária se tivermos em conta o teor da Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estabelece o cabimento de embargos de terceiro com fundamento em posse advinda de compromisso não registrado de compra e venda de imóvel.

Em due diligences imobiliárias, os credores e compradores têm por costume analisar apenas as matrículas dos imóveis. No entanto, por vezes, isso não basta.

Isso porque a admissão de embargos de terceiro com fundamento em posse advinda de contratos não registrados retira muito da segurança que se deveria esperar de um sistema imobiliário registral, isto é, das certidões de matrículas de imóveis.

Contratos não registrados, é claro, não aparecem nas certidões de matrícula. Daí por que, em certos negócios imobiliários, sobretudo naqueles de grande valor, faz-se necessária a busca de certidões de escrituras públicas em tabelionatos e de contratos particulares de compra e venda, que, algumas vezes – mas não necessariamente – são submetidos a cartórios de títulos e documentos.

A doutrina dos direitos reais discute com bastante vigor a natureza do sistema imobiliário no Brasil, definindo o alcance de conceitos como “título” e “modo” e discutindo se o sistema é estritamente registral, misto etc.

Entretanto, não é necessário descer a esse tipo de minúcia para se concluir que a Súmula 84 do STJ onera compradores e credores com a investigação de contratos não registrados e posse, enfraquecendo, de certa maneira, a regra do artigo 1.245 do Código Civil, segundo a qual a propriedade de imóveis entre vivos se transfere somente com registro.

A desconstituição judicial de penhoras e outras faculdades de crédito sobre imóveis com base apenas na posse faz com que a certidão de matrícula seja apenas um dos elementos que devem ser consultados nas due diligences imobiliárias.

Ainda que a certidão de matrícula esteja ‘limpa’, possíveis compradores dos imóveis e credores dos donos dos imóveis podem-se ver surpreendidos com ações judiciais de possuidores ou ‘sedizentes’ possuidores, a pedir a invalidade da compra ou de atos vinculados ao direito de crédito, como penhoras e arrestos.

E se os advogados desses possíveis compradores e credores não prestarem atenção ao princípio da causalidade – segundo o qual o causador da ação judicial é quem sucumbe –, pode ser até mesmo que, nos embargos de terceiro, esses compradores e credores acabem condenados em sucumbência.

Até mesmo a investigação de fatos possessórios pode ser necessária. Entrevistas com vizinhos, buscas de informações sobre o recolhimento dos impostos de propriedade imobiliária (IPTU e ITR), checagem visual das confrontações, tudo isso pode reduzir os riscos dos negócios imobiliários.

Mas não só. As cláusulas de “declarações e garantias” também podem mitigar o problema. Cláusulas por meio das quais vendedores e tomadores de crédito – aqueles que oferecem imóveis em garantia de obrigações de crédito – declarem, sob pena de multa compatível com a dimensão do contrato, que não transferiram a posse dos imóveis negociados a terceiros são, sem dúvida, instrumentos importantes para alinhar os incentivos (mal) colocados pela Súmula 84 do STJ.

Nesse caso, os riscos postos por essa Súmula para compradores e mutuantes se converteriam em risco de crédito, ou seja, bastaria ao comprador do imóvel ou ao fornecedor do crédito conhecerem a capacidade de o vendedor ou o tomador de crédito arcar com a multa, o que então reduziria a necessidade da investigação possessória.

Se surgir a discussão possessória, o contrato se resolve por inadimplemento e o vendedor ou tomador do crédito ainda terão de ressarcir o comprador ou fornecedor do crédito pela inverdade da declaração prestada no contrato.

Iniciativas como a da Súmula 84 do STJ, que visam a proteger possuidores de boa-fé são, sim, bem-vindas. O problema da Súmula 84 do STJ é que, por enfraquecer o sistema de registros, parece incentivar justamente o contrário: possuidores que não estão de boa-fé podem vir a embargar negócios imobiliários.

Um credor que queira penhorar um imóvel não tem como saber se um contrato particular não registrado de fato existiu ou não.

Do ponto de vista econômico, um sistema de registros destina-se a reduzir o número de diligências prévias às trocas de bens, isto é, reduzir os “custos de transação”.

Quanto mais dificuldades recaiam sobre as trocas, menores as possibilidades de as pessoas expressarem as suas preferências nos mercados e, portanto, menos eficiência alocativa.

É, portanto, questionável o Projeto de Lei 1808/22, de iniciativa do deputado Rubens Pereira Júnior, do PT-MA, que busca colocar no Código de Processo Civil o teor da Súmula 84 do STJ, conferindo a essa Súmula força de lei.

O ideal parece ser justamente o contrário: obrigar as pessoas a registrar os seus negócios imobiliários o quanto antes. Tudo deveria estar registrado.

O melhor seria que as certidões de matrícula, sim, refletissem o senso comum das pessoas: as matrículas deveriam ser retratos fiéis da vida dos imóveis.

* Rafael Berzotti é advogado especialista em direito empresarial da Andersen Ballão Advocacia.

Para mais informações sobre negócios imobiliários clique aqui…

Publique seu texto em nosso site que o Google vai te achar!

Entre para o nosso grupo de notícias no WhatsApp

Fonte: Smartcom Inteligência em Comunicação



Correção de rumos no STF: pejotização é fraude trabalhista

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem recebido nos últimos meses uma quantidade expressiva de reclamações constitucionais para cassar decisões da Justiça do Trabalho relativas a contratos fraudulentos de prestação de serviços.

Autor: Cíntia Fernandes


Novas regras para notificação de inadimplência e exclusão de planos de saúde

O próximo dia 1º de setembro será marcado por uma importante mudança na relação entre consumidores e operadoras de planos de saúde.

Autor: Natália Soriani


O cancelamento unilateral dos planos de saúde é legalmente possível?

Apesar de possível, Jurista do CEUB considera a rescisão unilateral e sem motivo como abusiva, já que configura a potencial violação do princípio constitucional de proteção à vida.

Autor: Divulgação


O embate Twitter Files Brasil: que legado queremos deixar?

Elon Musk está usando sua plataforma X (ex-Twitter) para um duelo digital com o presidente do STF, Alexandre de Moraes.

Autor: Patrícia Peck


Justiça e inclusão: as leis para pessoas com TEA

Por muito tempo, os comportamentos típicos de crianças que tinham Transtorno do Espectro Autista (TEA) foram tratados como “frescura”, “pirraça” ou “falta de surra”.

Autor: Matheus Bessa e Priscila Perdigão


Você conhece a origem dos seus direitos?

Advogado e professor Marco Túlio Elias Alves resgata a história do Direito no Brasil e no mundo em livro que democratiza os saberes jurídicos.

Autor: Divulgação


Os planos de saúde e os obstáculos ao bem-estar dos pacientes

No contexto do direito à saúde no Brasil, os planos de saúde privados são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece normas e diretrizes para garantir a cobertura assistencial aos consumidores.

Autor: Natália Soriani


R$ 200 mil não apaga a dor, mas paga a conta

Um caso de erro médico do interior de São Paulo chamou atenção de todo Brasil por conta de dois fatores.

Autor: Thayan Fernando Ferreira


Precisamos mesmo de tantas leis?

O Direito surgiu como uma forma de organizar melhor as sociedades, uma vez que já havia algumas tradições reproduzidas a partir de exemplos ou de determinações orais que alguns grupos, especialmente os familiares, seguiam.

Autor: Marco Túlio Elias Alves


Proibição do chatbot na campanha eleitoral afeta políticos com menos recursos

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou normas relacionadas ao uso da inteligência artificial nas campanhas para as eleições municipais de 2024. A alteração é vista como pequena e mal discutida por especialistas da área.

Autor: Divulgação


Digitalização da saúde e os desafios na relação plano e consumidor

A digitalização da saúde, que compreende o uso de recursos tecnológicos e de Tecnologia da Informação (TI) para fins médicos, é um fenômeno que a cada ano se consolida e expande em todo o país.

Autor: Natália Soriani


Os equívocos do caso Robinho

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no uso de competência constitucional e regimental, analisou e, por maioria de votos, homologou o pedido de execução da sentença penal condenatória proferida pela Justiça Italiana contra o ex-jogador Robinho.

Autor: Marcelo Aith