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Menos tecnologia e mais justiça – a falácia das audiências telepresenciais

Menos tecnologia e mais justiça – a falácia das audiências telepresenciais

15/06/2020 Maria Inês Vasconcelos

A tecnologia vem se mostrando um grande vetor para a solução de problemas sociais e judiciais.

Contudo, não podemos a enxergá-la apenas como vetor que traz soluções positivas. Pelo contrário, há de se ter muito cuidado com o pensamento puramente computacional que enxerga somente o “solucionismo” no uso da tecnologia, e que seria sempre uma forma de emancipação e mais um ganho.

O solucionismo nada mais é do que a crença que tudo se resolve com o uso de tecnologia, que não há problema prático, social que não possa ser resolvido com sua utilização. O pensamento computacional solucionista é raso e decorre de uma visão estreita e imediatista do homem da pós-modernidade que é encantado e movido por fetiches novos, ávidos por um novo app.  Há assim verdadeira “caquese” em torno do uso da tecnologia.

Na realidade, esse encantamento solucionista é uma forma de alienação, pois nada mais é do que a internalização na mente do homem, pelo próprio homem, de uma visão de que é possível sempre articular o mundo em termos “computáveis”, o que sabemos não ser possível.

Muita coisa no planeta não é computável e tampouco será solucionada só pelo uso da tecnologia. O fator humano, os sentidos e sensações humanas, são imprescindíveis em muitas condutas e ações. A vida não pode ser toda automatizada, muito menos alguns atos processuais.

Esse encantamento pela tecnologia e uma visão de que ela é somente emancipatória é quase uma liturgia de quem acredita ser possível customizar soluções, que não são nunca possíveis de se customizar ou automatizar, como uma audiência de instrução.

O Direito, como ciência humana, pode se servir da tecnologia, como vetor puramente funcional, mas há que se fazerem algumas reflexões quanto ao seu uso de forma solucionista, pelos riscos que podem causar ao processo em si e ao direito das partes. As audiências telepresenciais (ou virtual), são exemplo de como um abismo se estabeleceu na Justiça pela visão puramente computacional e solucionista da tecnologia.

Uma audiência realizada com um juiz presente fisicamente, já é um desafio para advogados e para os próprios magistrados, em razão dos imprevistos. A audiência demanda do homem-juiz, ações, raciocínios e práticas, impossíveis de serem automatizadas e que jamais será alvo de um roteiro de soluções padronizadas. A audiência telepresencial exige do magistrado o mesmo que se exige de um maestro quando rege uma orquestra, ou de um cirurgião que opera um aneurisma: contato com as partes, controle do ato processual e, sobretudo, uso dos sentidos.

Além da perda de vários sentidos, como a visual e auditiva, o magistrado nunca estará perto suficiente da testemunha para garantir que essa cumpra o dever de falar a verdade, sem riscos para o processo, numa audiência telepresencial. Afora a questão do devido processo legal, da garantia que as testemunhas sejam segregadas umas das outras. Além disso, há centenas outros percalços. O mais importante é o fato de que sempre estaremos conectados de maneira desigual, alguns mais do que outros, mas sempre de forma desigual.

A audiência por vídeo conferência é uma falácia, um verdadeiro desvio da função da tecnologia como vetor de inclusão e emancipação, pois esse tipo de audiência não só exclui, como expõe à enorme risco, o direito das partes. Cria uma vulnerabilidade e um abismo entre os litigantes. Com certeza, a própria ideia de justiça é comprometida, justamente pela desigualdade que tal procedimento legitima.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu um passo à frente, quando atento a tais dificuldades, se manifestou e garantiu à advocacia trabalhista que as partes não serão obrigadas a participar de audiências telepresenciais e que essas ocorrerão se houver concordância dos advogados.

A visão puramente computacional não pode ser aplicada ao Direito e cabe a nós, auxiliar a correção desse pensamento desviado de pensar o mundo apenas de forma computacional. A tecnologia pode ser maléfica e seu uso precisa ser avaliado e crivado pelos próprios beneficiados, sem absolutismos.

Somos nós que moldamos e usamos a tecnologia e não ela que nos modela.  James Bridle, fazendo uma crítica ao fetichismo tecnológico aconselha usar a tecnologia como guia e auxiliar, desde que não privilegiemos o seu output: pois os computadores estão aqui para nos dar respostas, mas não são ferramentas para fazer pergunta.

Enfim, precisamos entender a tecnologia de maneira mais profunda e sistêmica repensando seu uso em relação à justiça, construindo novas agendas e enxergando, todo o risco de seu mau uso. Não há como se realizar uma audiência por videoconferência, sem riscos para o processo. Pensar o contrário é dar as mãos na corrente que alucinada acredita que tecnologia resolve tudo. Ela não resolve a falta física de juiz, não resolve a questão de segurança das partes e não resolve a desigualdade. É mais uma das metáforas alienantes decorrentes do solucionismo.

* Maria Inês Vasconcelos - Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora

Fonte: Naves Coelho Comunicação



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