Um caçador que se inspira entre a caçada e a mentira
Um caçador que se inspira entre a caçada e a mentira
Normalmente os pescadores é que carregam a fama de mentirosos. Mas com certeza não estão sozinhos neste mundão de Deus.
A história a seguir aconteceu por volta de 1987, quando o atual município de Jaíba ainda pertencia ao município de Manga.
Ocorreu então uma reunião política num local chamado Linha 2, onde compareceram várias lideranças políticas de Manga e Jaíba. Lá estavam, além do prefeito Élzio, o vereador Delmiro Vargas, Humberto Salles e outros.
Antes da reunião, foi servido um lauto café, quando um dos participantes notou a presença do Sr. Sebastião Oliveira, famoso caçador e contador de histórias de caçadas na região.
Dizia que tinha uma espingarda de cano curvo. Quando questionado, explicava que era pra matar veado na curva. Um dos presentes resolveu provocá-lo e perguntou:
- Seu Sebastião, e aí, as caçadas? O senhor nunca mais contou as histórias, não tem caçado não?
- Ih, rapaz, agora mesmo eu passei por uma que só Deus vendo.
Como você sabe, eu sou caçador antigo, né, e um amigo meu falou para os amigos dele de São Paulo que aqui tinham uns caçadores de perdizes. Mandou uma carta onde me perguntava se eu poderia receber e acompanhar os seus amigos numa caçada.
Eu disse a ele que sim, seria um prazer pra mim. Marcaram a data e chegaram os dois caçadores. Quando eu vi as tralhas que os caras trouxeram eu me arrependi de ter aceito.
Os caras chegaram com dois cachorros perdigueiros, puro sangue, duas espingardas Sta Etienne, de dois canos, e eu pensei comigo: meu Deus, eu, um homem nessa idade, que nunca passou vergonha na vida, vou passar hoje.
Porque eu tinha era uma espingardinha velha, cartucheira, carregada pela boca, "rabo de cutia", que tinha que carregar com uma vareta, etc, como é que eu faço? E as espingardas dos hômi chegavam a brilhar no sol.
Mas como foi um amigo meu que mandou e eu já tinha dado a palavra e palavra minha não volta atrás, vou levar. Eu sabia onde tinha as perdizes, então vou levar os homens.
E lá fomos nós. Peguei minha espingardinha, botei no ombro e eles com as espingardas francesas, perdigueiros puro sangue e eu pensando: será que hoje é o dia que eu, nessa idade, vou passar vegonha?
Mas já tinha dado a palavra e lá fomos nós! Quando chegamos ao lugar onde tinham as perdizes, apareceu uma perdiz no chão.
Um dos cachorros viu a perdiz, levantou a perninha direita, esticou o rabo, botou o focinho pra frente que você podia botar uma régua, apontando onde é que estava a perdiz. O cara disse:
- Seu Sebastião, o sr quer...
- De jeito nenhum, a vez é suas!
O cabra deu a ordem, o cachorro espantou a perdiz e ele levantou a espingarda Sta Etienne, dois canos.
A perdiz voou e ele apontou a espingarda e páa. Na mosca! Ou melhor, na perdiz. Ela caiu e o cachorrinho foi lá, apanhou e entregou ao dono.
Pensei: meu Deus do céu, onde é que eu fui me meter! Numa idade dessa passando vergonha. Os caras com essas espingardas Sta Etienne e eu com a minha carregada pela boca! E tinha que botar chumbo, empurrar com a vareta. Tá danado!
E lá na frente outra perdiz. E a mesma coisa: o cachorrinho levanta a perninha, rabo esticado e cabeça apontando a perdiz.
- Agora é sua vez, Seu Sebastião.
- De jeito nenhum! (E o medo que eu estava de passar vegonha?)
- É o senhor agora.
Do mesmo jeito. O cachorro foi lá, espantou a perdiz, ela voou, o cara pegou a espingarda, apontou e páa. Outra perdiz no chão. O cachorro apanhou e entregou para o dono.
Eu pensei: meu Deus, não tem jeito não. Eles com essas espingardas francesas e eu com essa rabo de cutia. Nessa idade e eu vou passar vergonha.
Mas Deus é muito bom pra mim e logo na frente tinha uma bifurcação. Pensei: é agora.
- Olha, vocês vão por aqui que eu vou por cá. Lá na frente a gente se encontra.
- Tá bom então.
Eles saíram e eu dei graças a Deus que eu saí por um lado e eles pelo outro. Quando vou chegando na frente, olha as perdizes! Eita, pensei comigo.
Quando uma perdiz espantou e voou eu peguei a espingardinha e páa, a perdiz caiu. Outra perdiz levantou e eu páa, derrubei outra... páa, e mais uma e páa, cinco, rapaz, cinco perdizes!
- Eita, se os cabras estivessem aqui pra ver!
Nisso, o Sr Afonso Ribeiro, líder político em Manga, virou pra ele e perguntou:
- Uai, Seu Sebastião, e o senhor não carregava a espingarda não?
- Num dava tempo! Se eu fosse carregar eu tinha matado só uma!
Foi uma risada geral na sala. Enquanto ele contava a história o pessoal tomava café.
O Sr Sebastião ao terminar foi então com a xícara na mão até a cafeteira. Quando apertou na garrafa, saíram apenas alguns pingos na sua xícara. Ele olhou para um lado, olhou para o outro e disse:
- Eu gosto de café é bem pouco!
Mais uma mentira...
* Antônio Marcos Ferreira