STF e a gravação de Michel Temer
STF e a gravação de Michel Temer
O STF pretende rediscutir o seu posicionamento em relação ao uso de gravações como provas judiciais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) irá reabrir a discussão sobre o uso do grampo clandestino, ou seja, se gravações realizadas sem a devida autorização judicial, por um dos interlocutores, podem ser utilizadas como prova judicial.
A reabertura da discussão se dá porque no ano de 2009, o STF, ao julgar RE 583.937/RJ, reconheceu, em Repercussão Geral, a constitucionalidade do uso da gravação ambiental por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro.
Isto quer dizer que a gravação feita ambientalmente ou através de conversa pelo celular, por um dos interlocutores, dispensa a autorização judicial, sendo considerada prova lícita. O caso utilizado como Repercussão Geral cingia-se em uma gravação realizada em audiência, na qual fora imputado ao réu crime de desacato, tendo como vítima um magistrado.
Em sua defesa, o réu fez juntar gravação do áudio da audiência, realizado sem autorização, onde restou demonstrado que não houve nenhum desacato e, ao contrário, o Juiz que o tratou de forma ríspida e indelicada.
O STF, por maioria, firmou o entendimento que a gravação de um dos interlocutores deve ser considerada válida, utilizada para fazer prova de inocência, vencido o M. Marco Aurélio; “Entendo que essa gravação escamoteada, camuflada, não se coaduna com ares realmente constitucionais, considerada a prova e, acima de tudo, a boa-fé que deve haver entre aqueles que mantêm, de alguma forma, um contato, que mantêm, portanto, um diálogo. ”
Passados quase dez anos, o STF pretende rediscutir o seu posicionamento para saber se mantem ou modifica a orientação jurisprudencial. Pessoalmente, advogo a tese que aproveitar gravação ambiental sem a anuência de um dos interlocutores fere de morte não só o princípio da boa-fé, mas outros princípios constitucionais.
Não há de admitir que a parte para fazer prova a obtenha por meios tortuosos, desonestos e enganadores. O processo judicial deve-se basear na retidão e integridade das partes, se a prova não foi obtida com esta observância impõe-se sua extirpação dos autos do processo.
Aceitar a violação da privacidade seja por parte do particular, seja por parte do Estado, sem autorização judicial ou concordância dos interlocutores, a meu ver, afronta a CF/88 e seus princípios, com a desculpa que os fins justificam os meios. Se por um lado a busca da verdade real nos processos deve ser perseguida, por outro tem-se o princípio da lealdade, da privacidade e da própria dignidade humana.
Admitir um princípio constitucional isoladamente é desprezar toda a principiologia que norteia as regras do ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito. A discussão volta à tona em razão da gravação do diálogo entre Joesley Batista (JBS) e Michel Temer cumprida, por Batista, para fechar um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público.
O caso difere dos precedentes do STF, a gravação realizada fora utilizada pelo investigado no intuito de obtenção de benefício da colaboração premiada. Independente se o STF irá rever seu posicionamento a respeito da matéria, não há como considerar lícita a gravação provocada na clandestinidade, por meios tortuosos e questionáveis, empregue em busca de um benefício e não para defesa de um inocente.
* Bady Curi Neto é advogado, ex-juiz do TRE-MG, fundador do escritório Bady Curi Advocacia Empresarial.