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Violência e Mediocridade

Violência e Mediocridade

21/05/2017 Wellington Anselmo Martins

O inferno são outros, diria Sartre. Mas, mais para a realidade, o inferno também pode ser nós mesmos

Pois somos também capazes de causar violência. Ou nem tanto, pois "inferno" é o termo cristão para a pena capital eterna. Ou seja, o ser humano, via de regra, não chega a ser infernal na verdade.

De modo geral, realmente nós somos bastante medíocres em nossa maldade – e em nossa bondade, igualmente. Teóricos como Hobbes e Rousseau defendem que, sem os freios das leis e da polícia, o ser humano se mostra muito violento podendo, inclusive, criar uma "guerra de todos contra todos".

Porém, uma vez que haja contrato social, Estado, direitos e deveres instituídos, forças armadas etc., então essa agressividade física é reprimida e, assim, as pessoas conseguem conviver sem ficar procurando, o tempo todo, pelo matar ou morrer.

No caso brasileiro, que é um caso que se repete em todos os países emergentes e, ainda, em todas as regiões com muito desigualdade social e econômica mesmo dentro dos países ricos, há ainda um "estado de natureza", isto é, há ainda muito daquilo que o filósofo Hobbes chamou de guerra de todos contra todos.

A pobreza e a falta de desenvolvimento educacional estimulam o potencial que o ser humano tem para a violência física, para a brutalidade. Por isso, mesmo sendo o Brasil um Estado com normas e princípios legítimos, por ser ainda uma sociedade com grande desigualdade econômica e com carência explícita em sua educação básica pública, o nosso país continua sendo palco de crimes bárbaros, estes diuturnamente explorados pela mídia sensacionalista.

No entanto, de outro lado, mesmo hoje já há uma Brasil que está dando certo. Já hoje grande contingente de nossa população tem acesso ao ensino superior e à profissionalização. Saindo, desse modo, do círculo vicioso da violência mais explícita. Esses brasileiros, a grande maioria de classe média, brancos e cristãos, vivem nos centros visíveis do país, vivem nos bairros mais limpos de suas cidades, trabalham e estudam em situações já com um mínimo de dignidade humana.

Porém, tais brasileiros, apesar de sua localização geográfica privilegiada e de sua posição social e simbólica mais elitista, sofrem constantemente aterrorizados pela possibilidade de que os outros brasileiros, aqueles mais pobres, iletrados e marginalizados, possam gerar contra eles um retorno à violência mais elementar e animalesca. Ou seja, um primeiro ponto é esse: o fato de que já há um Brasil que vive, mais ou menos, o Estado de direito que freia as violências mais sangrentas.

Porém, mesmo estes brasileiros de sorte não conseguem escapar do medo de serem violentados por seus concidadãos, historicamente, violentados. Eis, aqui, mais uma representação do citado círculo vicioso. Diante disso, o segundo ponto, especificamente acerca das relações entre os próprios brasileiros de classe média, a violência via de regra deixa de ser prática brutal e toma corpo na forma de violência simbólica.

Ou seja, dentro do Brasil que já tem escola, que já tem alguma lei, alguma igualdade, a segurança física das pessoas fica muito mais garantida atualmente, se compararmos com a situação do Brasil de décadas atrás. As pessoas da classe média brasileira, então, fisicamente, já não vivem mais dentro de algum tipo de guerra total. Pois a moralidade subjetiva e as forças armadas públicas hoje conseguem coibir a maior parte dos impulsos de dominação prática, de enfrentamento corporal e de briga explícita.

Porém, como dito no início desta reflexão, a violência não é necessariamente infernal, não se dá sempre em grande medida ou em forma explícita. Posto isso, salientamos, a partir daqui, uma certa doença social de ricos. Um certo comportamento agressivo próprio das classes e das pessoas menos exploradas. Usemos, para fins de ilustração, a situação ordinária de um ambiente empresarial.

Dentro de um espaço profissional que envolva diversas pessoas, hierarquia, interesses conflitantes, ordens etc., mesmo não havendo a agressão maior, contundente, ou a direta tentativa de assassinatos, há por sua vez e cotidianamente outras práticas mais sofisticadas de violência. Certo autoritarismo de chefes, nesse ambiente de trabalho, certa perseguição de colegas, as provocações morais, a compaixão omitida, a linguagem corporal que também pode gritar ódio e desprezo, as fofocas de todo dia, os preconceitos mais clichês...

Tudo isso, a princípio, não passa da mera condição humana, inevitavelmente imperfeita e conflituosa. Porém, a rotina dessas práticas, apesar de na maioria das vezes se tratar de investidas medíocres e infantis, pode sufocar a liberdade das pessoas e levar a psicopatologias graves. Esse exemplo simplório tenta narrar a maldade que se faz também de modo discreto. E, aqui, não procuramos dizer qual agressão é mais degradante: um tapa ou uma difamação.

Não parece importante, agora, levantar uma hipótese quantitativa acerca desse problema. O que queremos é salientar que fora a violência mais explícita, a qual todos tememos, há ainda a violência simbólica que, mesmo em situações econômicas e jurídicas estáveis, pode demostrar ainda que de modo medíocre a dinamicidade dos conflitos humanos.

Enfim, concordamos com Sartre e com Hobbes: as relações humanas podem ser infernais e bélicas. Porém, ponderamos aqui que, na maior parte das vezes, pelo menos nas relações que se dão entre a massa brasileira que hoje já chegou à classe média, as agressões são discursivas e infantis, porém continuam existindo e têm potencial destrutivo.

E quando essa violência vinda de ricos medíocres encontra um alvo mais sensível, então o bullying que parecia uma simples brincadeira ou a fofoca que era apenas um desabafo podem levar pessoas a doenças graves e até ao suicídio. Desse modo, a grande e rara violência das guerras e a pequena violência cotidiana podem ter um encontro: o assassinato.

A diferença, que tentamos salientar nessa reflexão, é que a agressão física é explícita, direta e brutal. Já a agressão moral, apesar de parecer inofensiva e poder vir de pessoas meramente imaturas, é sofistica e, indiretamente, pode gerar a mesma consequência social inaceitável, a morte de inocentes. Ambas as formas de violência, enfim, infernal ou medíocre, devem ser combatidas durante a construção de uma sociedade mais fraterna e livre para todos.

* Wellington Anselmo Martins é mestre em Comunicação (Unesp), graduado em Filosofia (USC).



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