Quando o 007 falhou na missão secreta
Quando o 007 falhou na missão secreta
Em 1976 estava cursando o último ano de Engenharia Elétrica na UFMG. Normalmente era a hora de procurar estágio para quem ainda não o fizera, como eu.
Não foi difícil conseguir. Um colega de sala, e grande amigo até hoje, Aloizio Cunha, o Batata, acabara de conseguir estágio no Departamento de Estradas de Rodagem - DER e me informou que na área onde começara o estágio ainda havia uma vaga, e prontamente fui lá conversar com o gerente da área, Eng. César.
Fui admitido e começamos a conhecer o outro lado da engenharia, onde aplicaria os conhecimentos adquiridos na escola.
O Setor não oferecia muitos desafios para a área de Engenharia Elétrica, mas alguns trabalhos burocráticos e uns poucos projetos de instalação elétrica predial, que precisavam de revisão em consequência das alterações nas obras civis.
O gerente da área, César, era bem diferente do modelo tradicional de engenheiro na época. Gostava bastante de arte, escrevia textos para o teatro e dirigia peças nos teatros de Belo Horizonte.
Cabeça aberta, dava muita liberdade aos estagiários para desenvolverem seu trabalho e aprenderem, mesmo com as limitações citadas. Estudávamos pela manhã e fazíamos o estágio na parte da tarde.
A seção em que fazíamos estágio, além dos estagiários, tinha técnicos, pojetistas e auxiliares de escritório. Mas havia também um office-boy, ao qual demos o apelido de 007.
Era um garoto de uns quatorze anos, franzino, de fácil trato, e que nos ajudava nas tarefas de levar e trazer documentos de uma seção para outra e mesmo entre as mesas da própria seção.
Na nossa área o ambiente era de ótima convivência e, quando tínhamos oportunidade, gostávamos de comemorar as datas festivas. E foi numa delas que o 007 protagonizou um episódio hilário.
Dezembro de 1976. O espírito natalino já dominava o ambiente de trabalho em todas as seções, e na nossa não era diferente.
Para comemorar a data resolvemos fazer uma festinha apenas da nossa seção. No último dia antes do Natal, o período da tarde seria de celebração.
Próximo ao DER havia um grande supermercado, onde foram adquiridos os tira gostos e bebidas. O chefe forneceu o wisky. Entretanto, não dava pra tomar o wisky puro e faltavam os cubos de gelo.
Aí entra a peripécia do 007. Combinamos de começar as comemorações às 15:30h. Às 14:30h chamamos o nosso office boy:
- 007, estamos precisando de gelo para o wisky na nossa festinha. Queremos que você vá até o posto de gasolina que tem aqui pertinho e compre um pacote de geloso. Mas seja bem discreto ao entrar no prédio. Ponha o pacote numa bolsa para não chamar a atenção de ninguém das outras áreas, pois para chegar até aqui você tem que passar em muitas outras seções e corredores.
- Pode deixar comigo, doutor!
Como era o 007, ficamos tranquilos quanto à sua discrição e aguardamos.
Como estava demorando, fomos até à portaria para ver. De repente, vimos um rapagão entrando pelos corredores, pedindo licença, atravessando as diversas áreas, com uma barra de gelo nas costas e, atrás dele, o nosso 007.
- Você tá doido, zero? (forma abreviada de chamar o nosso herói). Nós pedimos pra você ser bem discreto pra não chamar atenção e você aparece com este rapaz atravessando o prédio todo com uma barra de gelo nas costas? E o nosso sigilo?
- Pois é, doutor, o geloso tinha acabado e ele me ofereceu a barra de gelo. Eu disse que não aguentava carregar e ele falou que trazia pra mim sem cobrar nada a mais. Achei melhor do que o pessoal ter que tomar whisky puro, né?
Assim, todo o DER ficou sabendo da festa de Natal naquela seção escondida no fundo do prédio. E o 007 nunca mais foi acionado para essas missões secretas.
* Antônio Marcos Ferreira