Sara: quando a dor e o sofrimento se transformam em esperança e solidariedade
Sara: quando a dor e o sofrimento se transformam em esperança e solidariedade
Em 1997 a Cemig realizou uma grande alteração na sua estrutura de atendimento aos clientes.
Até então a Diretoria de Distribuição era responsável pelo atendimento de clientes até 13.800 Volts. Acima desse nível de tensão, o atendimento era feito pela Diretoria de Transmissão. A partir de 1997 a Distribuição ficou responsável pelo atendimento até o nível de 138.000 Volts.
Isso causou nas Regionais algumas alterações de estrutura, com a transferência para a Distribuição de vários empregados da Transmissão.
Nessa época os empregados da Cemig em Montes Claros passavam por um problema bem diferente dos atendimentos aos consumidores. Mas o problema gerava também uma alta tensão nos empregados.
A Sara, segunda filha do casal Álvaro e Marlene, diagnosticada com leucemia há mais de um ano, lutava pela vida, tendo percorrido hospitais em Belo Horizonte e agora em São Paulo.
Os pais, que até então estavam separados apenas no trabalho, já que Álvaro era da Transmissão e Marlene da Distribuição, agora tinham que ficar separados em função da doença da Sara, pois um precisava cuidar dos outros dois filhos pequenos enquanto o outro cuidava da Sara.
O diagnóstico chegou aos dois anos, quando o terceiro filho do casal tinha apenas um mês de vida, obrigando os pais a esta separação.
Em determinado momento do tratamento em São Paulo, foi definida a necessidade do transplante de medula, um tratamento caro e para o qual os pais não estavam suficientemente preparados. E o SUS não custeava este tratamento.
Os empregados da Cemig em Montes Claros, amigos dos pais, resolveram se mobilizar para arrecadar os recursos para viabilizar o transplante.
Recordo-me que estava na minha sala, quando duas colegas de trabalho chegaram me solicitando autorização para que os empregados pudessem fazer uma campanha de arrecadação, inclusive buscando recursos junto à comunidade, o que os obrigaria a se ausentarem do trabalho, revezando-se em campanhas nos sinais de trânsitos, com panfletos e faixas com o tema "Ajude a salvar a vida de Sara".
A campanha seria feita por empregados das duas diretorias. Não tive dúvidas. Autorização concedida!
A Sara completou quatro anos no hospital, em 28/10/1997. Como forma de homenageá-la, me solicitaram que lhe escrevesse algumas palavras, o que gerou o poema abaixo:
"Sara,
Hoje haveria festa
Bolo de chocolate, pipocas e um palhaço sorridente.
Haveria uma canção alegre, balões coloridos e crianças saltitantes, num alvoroço próprio dos pequenos.
Hoje, bem de manhã, um raio colorido de aurora te beijaria bem de mansinho,
Com um carinho tal, que tua alegria infantil, infinitamente doce, se mostraria infinda.
Hoje acenderíamos quatro velinhas, de um fogo tão intenso, que o nosso coração endurecido se renderia ao encanto teu.
Hoje correrias leve, zombando do vento, como um pequeno algodão doce, na terna doçura infantil, a brincar de paz.
E nós,
aprendizes da alegria,
cantaríamos também, a zombar do tempo,
que nos rouba, inexorável,
o jeito puro de ser.
Mas hoje não há nada disso.
Tu, que espreitas o mundo
como anjo de ternura,
escolheste,
de comum acordo com o Senhor,
mostrar-nos a todos,
através da dor,
tantos valores esquecidos.
Colocaste teu corpo,
tão pequenino e frágil,
à disposição d'Ele
para lançar-nos fragmentos de solidariedade.
Abriste teu sereno coração, para que outros tantos, esquecidos e indiferentes, pudessem,
através da luta incessante de teus pais,
aprender de vez valores
de esperança e fé.
"Em tudo dai graças"
Mesmo que a dor nos dilacere,
ainda que as forças às vezes nos pareçam fenecer,
hoje nos unimos a ti,
num abraço de Alegria Verdadeira, na certeza de que Aquele que te escolheu
para mostrar-nos estas coisas, continua a teu lado,
e te reservará
a canção dos eleitos,
e dias de intensa felicidade.
Um beijo no teu coração.
Parabéns, anjo nosso.
Nós te amamos!"
A campanha de arrecadação foi um sucesso. Entretanto, Sara não resistiu à última quimioterapia preparatória para o transplante e faleceu em 22/11/1997.
Na ocasião fiz este pequeno poema, como se fosse um recado dela para todos nós:
"Cessou o tempo.
Agora sou amplidão.
Bailo entre as estrelas,
e meu riso é pétala de luz.
Cessou a dor.
Agora sou mansidão.
Colho lírios de campos outros,
Iluminados de paz!"
Os pais da Sara, ainda consumidos pela tamanha dor da perda de uma filha, não permitiram que sua morte fosse o fim, mas o início de uma maravilhosa história de amor e solidariedade.
Os recursos da campanha feita pelos empregados da Cemig foram totalmente utilizados para a criação da Fundação Sara Albuquerque, instituição que acolhe crianças e adolescentes com câncer e proporciona a eles todas as condições para o tratamento oncológico.
Foram mais de 1400 crianças atendidas até hoje. Além de Montes Claros, onde possui sede própria, a Fundação tem uma unidade em Belo Horizonte há 12 anos e se prepara para mais uma grande obra: a construção de um hospital de referência no tratamento do câncer infantojuvenil em Montes Claros.
É mais uma demonstração da capacidade humana em transformar a dor em esperança e o sofrimento em solidariedade! E eu, feliz e honrado por fazer parte dessa caminhada!
* Antônio Marcos Ferreira