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Tráfico de entorpecentes, na forma privilegiada, não tem natureza hedionda

Tráfico de entorpecentes, na forma privilegiada, não tem natureza hedionda

30/06/2016 Euro Bento Maciel Filho

O tráfico de drogas não é crime hediondo típico, mas sim, e apenas, “equiparado a hediondo”.

Em 1988, quando da promulgação da Constituição Federal, quase ninguém conseguiu entender o que, ao cabo de contas, seriam os tais “crimes hediondos” e os “crimes a eles equiparados”, conforme previa, já àquela época, o inciso XLIII, do artigo 5º.

Somente dois anos depois, quando foi publicada a lei que definiu os crimes hediondos (Lei 8072/90), que a sociedade, finalmente, veio a saber quais eram os delitos assim considerados pelo legislador. É relevante dizer que a definição do que é crime hediondo, ou não, independe do grau de violência praticado pelo agente ou dos efeitos que o crime gerou à sociedade.

De fato, a hediondez de um delito qualquer não está ligada à sua especial gravidade, mas sim, e apenas, à sua menção expressa no artigo 1º, da referida Lei 8.072/90. Ou seja, ou o tipo penal está previsto expressamente na lei, e é hediondo, ou, então, não está lá elencado e, por mais grave tenha sido a conduta, não pode ser adjetivado com aquele rótulo.

O tráfico de drogas, desde a Constituição Federal, não é crime hediondo típico, mas sim, e apenas, “equiparado a hediondo”. Na prática, porém, ser hediondo ou “equiparado” não gera muitas diferenças. De fato, aquele que é flagrado, processado e condenado por tráfico de drogas terá, diante da nossa legislação, o mesmo rigoroso tratamento que é dispensado aos autores dos crimes considerados hediondos.

Entretanto, a Lei 8072/90, quiçá porque buscou diminuir a criminalidade “na marra”, baseada na falsa premissa de que o mero endurecimento punitivo seria suficiente para reprimir a prática de crimes, sempre mereceu severas críticas.

Aliás, justamente em razão do equivocado espírito daquela lei, a sua redação original, ao longo desses quase 30 anos de existência, foi absolutamente desfigurada, já que não foram poucas as decisões proferidas pelo STF que buscaram tornar o seu texto devidamente adequado aos princípios liberais da nossa Carta Magna.

Porém, dentre tantas críticas, uma das mais relevantes diz respeito ao fato de que referida lei violou os princípios da isonomia e da individualização das penas quando pretendeu estabelecer, sem qualquer critério lógico, um extremado rigor processual e punitivo para todo e qualquer agente dos crimes nela previstos.

Segundo a ideia inicial do legislador, o que deveria determinar a aplicação dos rigores da Lei 8.072/90 não era a situação fática em si ou a violência do ato praticado, mas sim, e apenas, o “rótulo” de hediondo atribuído a determinadas condutas típicas.

Ocorre que esse raciocínio, além de injusto, provoca um indevido engessamento da atuação jurisdicional, na exata medida em que não permite ao Juiz aplicar a lei penal, com proporcionalidade, critério e segundo as características pessoais de cada criminoso.

Em termos mais claros, passando essa ideia para o crime de tráfico de drogas, seria mesmo razoável punir, com a mesma severidade, tanto o “mega” traficante, flagrado com toneladas de cocaína e que possui uma vasta rede de distribuidores ao seu dispor, quanto aquele que é flagrado com pequenas quantidades de entorpecente, que usa o comércio ilícito para sustentar o próprio vício?

Não é preciso ir muito longe para se perceber que, apesar de praticarem o mesmo crime, há, de fato, grandes diferenças entre eles. A Lei dos Crimes Hediondos sempre teve como critério tratar igualmente os autores de um determinado delito a partir, unicamente, do tipo penal praticado, como se todos eles fossem igualmente perigosos ao meio social.

Eis aí, portanto, a grande falha da lei. Contudo, especificamente no que diz respeito aos autores de tráfico de drogas, essa inadequada e injusta equiparação vem causando enormes problemas práticos, sobretudo no que diz respeito à administração do nosso (falido) sistema carcerário.

Com efeito, dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça demonstram que, das 622.202 pessoas em situação de privação de liberdade (homens e mulheres), 28% (174.216 presos) estão presas por força de condenações decorrentes da aplicação da Lei de Drogas.

Seguramente, no meio desse altíssimo contingente de pessoas presas por conta do tráfico de drogas, há um elevado número de acusados que não precisaria permanecer reclusa, encarcerada, em contato diário com bandidos da pior espécie.

Nesse ponto, é importante dizer que a própria Lei de Tóxicos, acertadamente, criou uma alternativa para que o pequeno traficante possa ser punido de forma mais adequada e proporcional. Com efeito, no §4º, do artigo 33, o legislador previu a possibilidade de se diminuir a pena do agente de 1/6 a 2/3, desde que seja ele “primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organizações criminosas”.

Enfim, é o que alguns doutrinadores chamam de “tráfico privilegiado”. Segundo os dados do Infopen, estima-se que, entre a população de condenados por crimes de tráfico ou associação ao tráfico, aproximadamente 45% – algo em torno de 80 mil pessoas, em sua grande maioria mulheres – tenham recebido sentença com o reconhecimento explícito daquele “privilégio”.

Ou seja, mesmo tendo sido apenados de forma mais branda, por conta das suas condições subjetivas e pessoais, ainda assim, essas pessoas permanecem sujeitas a um inexplicável rigor, ditado pela Lei dos Crimes Hediondos, que toma como base não quem elas são, mas sim, e apenas, o delito que cometeram.

E foi justamente para tentar diminuir tamanha incoerência, assim permitindo ao juiz aplicar a lei de forma mais justa e proporcional, que, finalmente, após anos e anos de muitas discussões, o Plenário do STF decidiu que o chamado tráfico privilegiado (§4º, do artigo 33, da Lei de Tóxicos) não deve ser considerado como crime hediondo.

Sem dúvida alguma, a decisão da Corte Superior foi absolutamente acertada. No caso analisado pelo STF, dois acusados foram condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão pela Comarca de Nova Andradina (MS). Por meio de recurso, o Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos.

Contra essa decisão, a Defensoria Pública da União (DPU) impetrou ordem de Habeas Corpus em favor dos condenados. Por ocasião da votação, a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de conceder o HC e afastar o caráter hediondo do delito de tráfico der drogas, quando privilegiado.

Para ela, em tal situação, o exercício da traficância, ainda que continue sendo um delito grave, não se harmoniza com a qualificação de “hediondo” do crime definido no caput e no parágrafo 1º, do artigo 33 da Lei de Drogas. O julgamento foi suspenso em duas ocasiões por pedidos de vista formulados pelos ministros Gilmar Mendes – que seguiu a relatora – e Edson Fachin.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, também votou no sentido de afastar os efeitos da hediondez na hipótese de tráfico privilegiado. Segundo o seu voto, a grande maioria das mulheres está presa por delitos relacionados ao tráfico drogas e, infelizmente, quase todas sofreram sanções desproporcionais às ações praticadas, sobretudo em se considerando a participação de menor relevância que elas exercem nessa atividade ilícita.

A decisão possui repercussão geral e, certamente, deverá iluminar todos os demais Tribunais do país, o que representará um grande ganho para a sociedade, já que afastará da prisão e das agruras do cárcere quem, de fato, não merecia lá permanecer.

* Euro Bento Maciel Filho advogado criminalista, mestre em Direto Penal pela PUC-SP, vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e sócio do escritório Euro Filho Advogados Associados.



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