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Copa do Mundo, licitação e o desrespeito a Constituição

Copa do Mundo, licitação e o desrespeito a Constituição

14/07/2011 Vinicius Diniz Moreira

A aprovação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas realizada pelo Senado Federal tem causado certo furor, principalmente, porque propõe mudanças um tanto quanto polêmicas às vésperas de pesados investimentos decorrentes da realização de eventos esportivos de grande monta, tais como Copa do Mundo de Futebol de 2014 e as Olimpíadas, de 2016.

Não podemos pressupor – sob pena de tornarmos leviano nosso posicionamento – que o Projeto de Lei de Conversão, PLV nº17/11, é desprovido de qualquer avanço. Ao contrário, existem pontos bem colocados que viriam, sim, a contendo, trazendo as melhorias tão necessárias para aperfeiçoarmos nossa legislação. Contudo, outros pontos merecem a devida cautela, já que não iriam proporcionar vantagens lógicas para a administração pública. Ao contrário, tornariam o procedimento duvidoso, afastando-o do controle daqueles que realmente são os primeiros interessados, a saber, da população. Logo no artigo 6º do projeto, há a menção expressa de que o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público após o encerramento da licitação.

Ou seja, ninguém, com exceção aos órgãos de controle, terá acesso aos valores orçados para determinada obra. A questão que se aventa neste momento é: qual a oportunidade e conveniência de se impor sigilo aos valores da contratação durante sua realização? Será que, de fato, haverá uma otimização das licitações para a Copa do Mundo com a imposição do sigilo? Quer nos parecer que não foi a melhor opção feita por nossos legisladores. Além de representar um retrocesso em nossas garantias constitucionais, já que os maiores interessados se veriam alijados de saber a monta de seu dinheiro que seria aplicado nas obras. A publicidade dos atos praticados pela administração pública, bem como de todos os valores envolvidos, aparece como um instituto que rompe com a tradição de incerteza e obscuridade na qual o Poder Público exercia suas funções.

A Constituição Federal de 1988 vem justamente romper com décadas de descaso e obscuridade do Poder Público, garantindo ao cidadão total controle da administração pública e direito de fiscalizá-la. Como exemplo, a Constituição garante o direito de qualquer cidadão ingressar com ação popular questionando validade de atos considerados lesivos à coletividade. Contudo, essa fiscalização só ocorre na exata proporção em que os atos do Poder Público são transparentes e públicos. De nada adianta a Constituição permitir a fiscalização direta, preconizar meios contundentes de cobrança dos gestores públicos, se os atos, orçamentos e valores não forem públicos. Se o dinheiro gasto é aquele arrecadado com o pagamento de impostos, qual a justificativa plausível para a instituição de sigilo?

Se toda a atividade administrativa, e nisso se inclui as obras para os eventos esportivos próximos, deve representar o interesse público, não se justifica nenhum sigilo em seus valores. Tal conduta se mostra incoerente, inclusive, com os mandamentos da própria Constituição, a qual eleva a publicidade como princípio basilar da República. A publicidade dos valores orçamentários, em qualquer parte do procedimento licitatório, é garantia da participação popular e prestigia o interesse da coletividade, ao passo que os administrados podem fiscalizar o gasto do dinheiro público, coibindo a realização de fraudes. O simples acesso pelo Tribunal de Contas, sem o acesso popular, não se coaduna com um Estado Democrático de Direito. É interesse de toda a coletividade a realização de eventos de distinta importância no Brasil.

Estas celebrações esportivas, além de impulsionar a vinda de investimentos, a geração de empregos e o desenvolvimento de empresas nacionais, elevarão o nome do Brasil à um patamar de importância ímpar. Contudo, tais benefícios não podem ser conquistados através dos sacrifícios de princípios tão durante conquistados pela população. Mudanças na lei são bem vindas, mas o sigilo, deve ser rechaçado, sob qualquer hipótese, por não prestigiar o interesse da coletividade.

Vinicius Diniz Moreira*advogado especialista em Direito Público do escritório Braga e Balaban Advogados.

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