No vagar das horas…
No vagar das horas…
Certo dia, no vagar das horas, pus-me também a vagar...
Varei os limites do tempo, tomei as asas da gaivota na ânsia do espaço. Amei cada gota de orvalho com amor infinito. Penetrei em cada ser e comunguei com eles o Amor. Na primeira andança encontrei o poeta.
- Olá, amigo, tu que abraças o mundo na beleza do teu verso, diz-me:
- Que farias se dos teus campos interiores brotassem quinze poemas?
- Eu os declamaria com toda a força de minh'alma. E os versos sairiam como fragmentos a inundar o mundo.
E ao jardineiro que logo encontrei, fui indagar:
- E tu, cujos pés desnudos amam a terra como teu coração à flor, que farias tu, se na manhã de primavera quinze novos botões se abrissem?
- Ah! Mais se alegraria o meu coração. Ele estaria em cada botão, e meus pés saudariam a terra em cada desabrochar. E a sua beleza seria a expressão do meu gesto.
Ao jovem que estudava as estrelas:
- Oh jovem, tu que tens tão perto a beleza incontável das estrelas, que seria de ti se no meio da noite descobrisses mil novas estrelas a piscar?
- Ah! A minha alegria cortaria o espaço e contaria a cada estrela irmã. E com mais amor eu olharia as noites.
E no vagar de outras horas, encontrei o músico, que verificava novos acordes para sua melodia.
- E tu, que sempre nos encanta com as melodias, o que farias, se entre um tempo e outro, novos acordes brotassem em meio às suas canções?
-A h! Eu certamente os ouviria como mais uma mensagem divina, pois o que é a música, senão caricia e recado de Deus cifrados nos belos acordes da Vida?
Enfim, ao ancião que descançava ao pé da árvore, perguntei:
- E vós, que tendes na face a mansidão das brisas e na cabeça a brancura das espumas; vós, cujas palavras carregam a sabedoria dos anos, nos quais gastastes a energia nos passos da jornada; vós, cujo olhar varre além dos horizontes e cujo corpo se desintegra e se mistura ao Universo, dizei-me:
- Que faríeis se de repente a juventude vos sorrisse em mil sonhos dos tempos de quinze anos?
- Ah! Eu faria da vida uma canção. Pois o que é o dia, senão uma nota singular na canção eterna? E comungaria com todos esta canção... Cada gesto seria como o botão que nasce do coração da terra. Pois o que é a vida senão um eterno renascer?
Seria como a estrela, ainda que distante, incansável no trabalho de iluminar a noite. Pois não será a vida um constante olhar na busca do infinito?
O ancião fechou os olhos, como a sonhar com a sua juventude, enquanto no seu pensamento desejava que alguém estivesse a viver este sonho.
E, ardentemente, amigo(a), eu desejei que fosse você!
* Antônio Marcos Ferreira