Os brasileiros não são livres
Os brasileiros não são livres
Liberdade. Atributo fundamental da vida.
Com Isaiah Berlin, destacaram-se cogitações de pensadores do tema. A liberdade pode ser vista como "fim-em-si-mesma". E como ferramenta para obtenção de outros valores.
Fiquemos no primeiro sentido. Liberdade humanística. Sem ela, o homem decai ou morre, seja sob o aspecto da coletividade política, seja individualmente.
O carrasco (ditador político) ou o carrasco individual. O homem sem liberdade é a vítima, uma das mais deploráveis. Nos últimos tempos, os brasileiros imaginaram ser humanos e livres.
Sua vontade expressa era respeitada. Pouco importa se os objetivos eram atingidos. Como dissemos sob o aspecto da liberdade humanística basta seu exercício.
Votavam, finalmente, por maioria, num partido que lhes rendiam firmes esperanças. De esquerda, honesto, voltado para erradicar a injustiça social, a falta de ética na política.
Os que, por muitos anos, tinham maculado a vontade livre, estavam politicamente enterrados. Ainda que pobres, os brasileiros sentiam a brisa da liberdade-em-si, essa parte imprescindível do indivíduo e das coletividades.
Viviam contentes, alguns auxiliados por programas assistencialistas. Esperançosos. Sentiam-se cidadãos ativos. Sabiam que a mudança do país seria tardia, mas não pode ser de outro modo.
Estavam livres de uma elite opressora. Chegaram à jactância, ao abuso dessa liberdade-essência, ao subestimar os "loirinhos de olhos azuis", enredados na crise do primeiro mundo.
De todo modo, desde o descobrimento era a primeira vez em que se sentiam livres. Daí a esperteza do melancólico carismático de Garanhuns: "nunca antes na história deste país...".
Temos fundadas razões para afastá-lo da política do país, mas seu carisma, interpretação do sentimento e das palavras que querem ser ouvidas por multidões, é inegável.
Pena que falta honestidade, o que compromete a própria liberdade do carismático. Lamentavelmente, essa essência humana esvaeceu-se. A partir de um momento, o brasileiro não se sentiu mais livre.
Errar culposamente no governo não compromete a vontade de quem o elegeu. Em pequenas proporções, podem ser feitas todas as correções de rumo. O problema é que o partido que representaria a liberdade foi hipócrita.
Assim como se deu no partido trabalhista britânico, no movimento sindical polonês e no exemplo mais destruidor das esquerdas - o fim do socialismo soviético. A negativa de nossa liberdade começou com sérias derrapagens éticas.
Em regime de presidencialismo de compromisso, as velhas práticas desonestas ressurgiram, sob o comando do lulopetismo. Não é necessário destacar fatos notórios. Basta dizer que, considerada a ética na política algo elementar, nossos irmãos já se sentiram traídos.
Parte significativa de sua alma recomeçava a ser conspurcada, em proporções gigantescas, como nunca antes na história desse país... Investigações, ações penais, condenações, encarceramentos, prisões domiciliares, correntes nos tornozelos, tudo isso acabou com a liberdade-em-si exercida pelo povo brasileiro.
O sentimento de perda essencial, assim como quando somos traídos por um advogado que escolhemos. E muito mais. O empreendedorismo morreu com a mãe do PAC. Uma política não conectada beneficiou poucos setores e desorganizou o todo.
A inflação, dobrada por um plano de rara arquitetura, voltou. Desemprego, medidas previdenciárias perversas, grandes lucros de bancos, como sempre na história deste país. O Estado inchado de Ministérios, instituições e da companheirada.
E a campanha eleitoral mentirosa, que tudo turvou. Autocrítica não consta do dicionário dessa esquerda oportunisita. Consequência: voltamos à pobreza e à absoluta escuridão da alma. O humanismo da liberdade dos brasileiros, principalmente dos trabalhadores, foi profundamente impactado.
Perspectiva material caótica e, talvez pior, no plano psicológico e filosófico. Frustração. O inconsciente coletivo assomou a superfície das águas do consciente racional e vivo, com toda sua carga de uma história constituída de lixo tóxico.
Ficamos desfalcados da existência plena, do humanismo. Nossa liberdade primária, a expressão da vontade sem ser conspurcada, foi uma ilusão fugaz. Tanto para os que a exerceram confiantes, como para os críticos dessa "revolucionária" proposição política.
Hoje não podemos dizer que há esperanças coletivas, sejam quais forem os segmentos sociais. Resta a liberdade-em-si individual, da qual jamais devemos renunciar, sob pena de morte em vida.
Todavia, bifrontes, homens que vivem em sociedade, nossa liberdade humanística, enquanto indivíduo termina no cárcere público, no caminho do país para o caos.
Há que abrir-se outro, amplo e promissor caminho, que se inicia no marco de um novo poder nacional constituinte.
* Amadeu Garrido de Paula é um renomado jurista brasileiro com uma visão bastante crítica sobre política, assunto internacionais, temas da atualidade em geral.